quinta-feira, 22 de abril de 2021

Um jabuti no Projeto de Lei Reviver o Centro

Ipanema - foto Roberto Anderson

Em arquitetura, gabarito é a altura das edificações, definida pela legislação urbanística. Ao olharmos para o Rio de Janeiro, vemos que esse gabarito varia enormemente, de bairro para bairro, o que seria normal. Mas essa variação excessiva ocorre também dentro de um mesmo bairro, entre construções vizinhas. E não se trata da diferença de altura entre uma casa e um prédio, mas entre prédios vizinhos. Essa situação é fruto do atendimento à legislação de edificação quando aplicada a terrenos diferentes, mas é, principalmente, resultado da variação da própria legislação ao longo do tempo. Em momentos de maior força dos interesses da construção civil ocorreram liberações, que deixaram suas feias marcas na cidade.

O Decreto 3800/70 foi uma lei de ordenamento urbanístico editada no Governo Negrão de Lima, que permitiu uma verticalização descontrolada, já que não estabelecia limite máximo de altura, e uma enorme descostura nos alinhamentos dos edifícios, ou seja, das distâncias dos mesmos em relação às calçadas. Tanto para as novas construções afastadas das divisas laterais, como para aquelas que seriam erguidas coladas nas mesmas, o decreto criava possibilidades de verticalização através do afastamento progressivo das linhas das calçadas. Como resultado, a cidade passou a ter edifícios de alturas variadas, com afastamentos frontais também muito variados. A imagem clássica resultante é o prédio longe da calçada, colado em duas divisas, que são empenas cegas, algo nada bonito de se ver.

Em 1990, e por pressão popular, essa permissividade no caso dos edifícios colados nas divisas foi drasticamente alterada pela Lei Orgânica do Município que, em seu Artigo 448 determina: “Qualquer edificação colada nas divisas não poderá ultrapassar a altura de doze metros, seja qual for o uso da edificação ou do pavimento, admitidas as exceções que a lei estabelecer”. Entre essas exceções, conforme definido pela Lei 1654/1991, estão os PEUs, Projetos de Estruturação Urbana, que constam na legislação carioca desde o PUB-RIO, de 1977. Eles deveriam existir para todos os bairros da cidade, mas são quase que exceções no planejamento urbano carioca.

Os PEUs seriam os instrumentos adequados para a correção das distorções advindas de legislações conflitantes, como as sequências de edifícios colados nas divisas com afastamentos e alturas variáveis. A partir de análises caso a caso, considerando aspectos paisagísticos locais, a capacidade das vias de receberem mais unidades de habitação, e ouvindo-se os moradores, se chegaria a propostas corretivas. 

Façamos agora um corte para o momento atual em que a Prefeitura do Rio está prestes a propor um projeto para o esvaziado Centro. O Projeto Reviver o Centro, enviado à Câmara como Projeto de Lei Complementar nº 8/2021, é muito bem-vindo e parte de pressupostos corretos, como a necessidade de trazer novos moradores para aquela área, e dar novos usos a edifícios anteriormente voltados para escritórios. Na pandemia, essa função foi bastante reduzida, e tudo indica que será uma condição duradoura. Buscando então incentivar novas construções de edifícios residenciais ou mistos, a reconversão de uso de edifícios de escritórios, ou a recuperação de imóveis degradados, o projeto propõe a concessão de variados benefícios, relativos ao IPTU, a taxas de ISS, a taxas de licenciamento, ao ITBI, etc.

Mas, curiosamente, há um jabuti no Projeto de Lei Reviver o Centro. Entre os incentivos citados, o projeto propõe uma operação interligada em que o construtor ganha como prêmio o direito de construir mais pavimentos em bairros da Zonas Sul e Norte, mediante pagamento. Isso incide exatamente naquelas situações em que a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro congelou as alturas dos edifícios colados nas divisas, gerando as distorções já vistas.

Há aí pelo menos dois problemas. O primeiro é a alteração por atacado de uma distorção criada por legislações anteriores, sem o minucioso escrutínio dos PEUs, que como já dito, devem considerar diversas questões locais envolvidas, entre elas a paisagem. Assim, um projeto voltado para tentar resolver a aflitiva situação do Centro, inesperadamente lança seus efeitos sobre uma vultosa parcela do território carioca, sem relação com a área que se deseja recuperar.

O segundo problema estaria na necessidade da concessão de prêmio tão eloquente a quem construir novas edificações no Centro. O construtor que o fizer, estará incorporando ao seu edifício as vantagens de uma área bem servida de sistemas de transportes e infraestrutura urbana, com uma legislação que já o exime de uma série de exigências, como o provimento de vagas de garagem. Por que se deveria acrescer a essas vantagens o direito de incorporar pavimentos a mais em bairros da Zona Sul ou Zona Norte?

Num sistema em que o incorporador é rei, definindo livremente em que áreas da cidade deseja alocar seus investimentos, tal incentivo parece fazer sentido. Mas quando se considera que o Município é o agente do planejamento urbano, podendo definir direcionamentos dos investimentos imobiliários, através de moratórias ou cotas em bairros que não sejam considerados prioritários para crescimento, esses incentivos talvez não façam sentido.

O Município do Rio já viveu experiência semelhante no caso da Área Portuária. Ali foram investidos vultosos recursos públicos, sem que o capital imobiliário respondesse a contento. Ele não deixou de edificar, apenas edificou longe de onde seria mais interessante para o Município. Para evitar que tal fato se repita no atual projeto de recuperação do Centro, a Prefeitura poderia escolher a opção mais barata, que seria direcionar o potencial da construção civil carioca para lá e para outras áreas centrais, como a Área Portuária, o Caju e São Cristóvão. Mas, pelo visto, buscará pagar prêmios, sem nenhuma garantia de sucesso.  

Artigo publicado no Diário do Rio em 22/04/2021

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Morar no Rio de Janeiro

Lagoa da Tijuca - foto Roberto Anderson

Morar na Cidade do Rio de Janeiro pode assumir distintas formas, nem sempre de livre escolha do morador. Aglomerado em Copacabana ou rodeado pela natureza em bairros próximos a florestas e matas. Com vistas de cartão postal ou em apartamentos de fundos, junto a empenas, sem qualquer vestígio de paisagem da Cidade Maravilhosa. Com a possibilidade de colocar cadeiras nas calçadas e deixar as crianças nas ruas em certos bairros do subúrbio, ou em casas e barracos apertados nas favelas, às vezes com o esgoto na porta. A liberdade das crianças no espaço fora das casas sempre foi também uma característica das favelas, mas isso vem sendo ameaçado pela violência do tráfico e das incursões policiais.

De qualquer forma, esse modo de morar na cidade variou muito ao longo do tempo, com ciclos de adensamento e outros de valorização da baixa densidade. No Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII morava-se numa área urbana densamente ocupada, contida, como se sabe, entre os quatro morros míticos, um deles e a metade de outro já não existentes. Nesse perímetro as ruas e os lotes eram estreitos e havia grande proximidade entre as residências. Mas havia os engenhos afastados, de vida rural, com grandes espaços, onde a maior parte dos habitantes eram africanos escravizados, dormindo em senzalas apertadas.

Após a chegada da Família Real, no início do século XIX, a cidade passou por uma fantástica expansão de seus limites, para além do seu núcleo histórico. Pouco a pouco, duas direções de crescimento, Norte e Sul, se formaram, levando a cidade a se tornar espraiada. Após meados do século XIX, estabeleceu-se uma tradição de residências da população de alta renda em chácaras urbanas, afastadas do Centro, pouco dependentes desse último. São desse tempo as grandes propriedades do vale de Laranjeiras e Cosme Velho, da Gávea e do Jardim Botânico na direção Sul. E da Tijuca, Andaraí e Alto da Boa Vista, na direção Norte.

Essas propriedades eram urbanas, estavam servidas por sistemas de transportes, como o bonde, por abastecimento de água, e depois de luz. Mas o que se valorizava era um certo grau de isolamento da moradia, e a presença de pomares e hortas. O Centro e a Área Portuária permaneciam como áreas de moradia adensadas, focos irradiadores das epidemias que assolavam a cidade. 

No entanto, o processo de expansão horizontal da cidade estancou-se, pelo menos na direção Sul. Durante várias décadas absteve-se de avançar para São Conrado e Barra. Gávea e as novas ocupações de Ipanema e Leblon passaram a ser os limites ao Sul, enquanto ao Norte a cidade se estendia em direção à Baixada Fluminense. Ocorreu então, durante a maior parte do século XX, o parcelamento das antigas chácaras e uma tendência ao preenchimento dos vazios existentes entre elas e o Centro, com o adensamento de bairros como Glória, Catete, Botafogo e Tijuca. Essas áreas, antes aristocráticas e distantes tornaram-se mais centrais pela chegada de mais moradias, serviços e meios de transportes.

A verticalização de Copacabana, no século XX, e posteriormente de Ipanema, geraram um novo modo de morar, superadensado, mas com multiplicidade de serviços, vida noturna, boemia, e uma certa variedade de classes sociais. O bairro continha os espaçosos apartamentos da orla e as quitinetes de ruas menos renomadas, para onde a classe média se mudava, desde que estivesse em Copacabana. O chic era estar envolvido por muita gente e muitos prédios. Mas essa contenção das classes mais altas em bairros de características tão urbanas e adensados iria se romper com a ocupação da Barra da Tijuca a partir da década de 1970. Mais uma vez o desejo por espaços, privacidade, áreas livres e uma vida mais provinciana, propiciada pelos condomínios, se tornaria o seu sonho.  

Morar na Barra da Tijuca é diferente do morar em qualquer outro bairro da cidade. Não só por que provavelmente esse morador estará num condomínio, já que o modelo se espalhou por outros bairros da cidade. Mas é também por morar cercado de pessoas da sua classe social, por desfrutar de largos espaços, por depender do automóvel, e para aqueles que moram em prédios, ter uma vista livre, permeada de acidentes naturais, que a maioria dos moradores do Rio de Janeiro já não têm. Para boa parte dos moradores de outros bairros, causa certa estranheza esse jeito de morar. Mas, talvez, ele seja apenas a retomada de alguns aspectos de modos mais antigos de moradia que nossa cidade já conheceu.  

Publicado em 15/04/2021

A caixa de livros

 

Mais um dia na pandemia. Interminável pandemia, alongada e tornada absurdamente letal por obra e graça de quem nos governa. A cada dia a sua agonia e a tarefa de encontrar o que fazer dentro do apartamento já mil vezes esquadrinhado. Mas sempre há uma arrumação nova nos esperando, e hoje foi o dia de checar aquela estante de livros enjeitados, pedindo para serem doados, levados a algum local onde outras pessoas possam pegá-los e, quem sabe, lhes dedicar um renovado interesse.

Livros são como camadas geológicas dos interesses que passaram por nossas vidas. Dos que tenho, a maioria foi comprada. O que investi neles poderia ter sido gasto num cinema ou num restaurante, mas escolhi os livros. Comprava acreditando que um dia os leria, que era importante ter sua companhia, tê-los à mão. Outros foram presenteados. Vindos de alguém que, talvez, quisesse me dar um toque, como seja menos materialista, ou aperfeiçoe a sua inteligência emocional. Mas, por falta de tempo ou outra desculpa esfarrapada, boa parte permaneceu sem ser lida, intenções não realizadas.

Agora já não adianta, meus interesses foram mudando e, dificilmente, dedicarei minhas horas, mesmo essas da pandemia, a lê-los todos. Há títulos curiosos. Como a Questão Agrária do “renegado Kautsky” veio parar ali na companhia de O Que Fazer, do seu detrator Lenin? A prateleira socialista estava bem fornida. Livros de Fidel e do Che, se misturavam aos sobre a Guerrilha do Araguaia, e aos de Stalin (meu deus, eu paguei por um livro de Stalin!), que por sua vez estava junto ao livro sobre o Solidarność. URSS, China e Cuba estiveram no meu radar durante um bom tempo e a eles dediquei boa parte das minhas intenções de leitura. Valeu camaradas, um dia nos reencontraremos.

Há outros achados inexplicáveis. Tenho certeza de que jamais comprei um livro com os ensinamentos do Osho, ou um sobre espiritismo, mas eles estão lá. Sei que comprei o da Royal Canadian Air Force, que na juventude me prometia um roteiro para um corpo em forma. Quem terá me presenteado com Estamos Grávidos? Terei lido? Terei aprendido a ser um bom companheiro, um bom pai?

Há também os que vieram de sebos, ou seja, já descartados anteriormente, e que agora serão mais uma vez devolvidos. As Origens do Ritual na Igreja e na Maçonaria deve ser um livro interessante, assim como As Vitaminas das Frutas. Mas suas páginas queimadas pelo tempo, esfarelantes e pródigas em incitações a espirros me fazem recuar. Espero que sejam acolhidos por alguém menos alérgico.

Uma grande novidade nesse movimento de renovação das estantes, e um alívio à culpa de quem se desfaz de livros, são as caixas de troca, ou minibibliotecas em ruas e praças. Me lembro quando teve início o movimento de se deixar um livro num banco de praça. Era uma ação generosa, de fazer o saber, a literatura, ou qualquer manual de vida circular, passar por diversas mãos. Mas havia sempre o temor de que uma chuva repentina os destruísse, arruinando aqueles belos propósitos.

As caixas de troca de livros existem hoje em diversas cidades do mundo. No Rio, as vejo em muitas praças e ruas mais calmas. Outro dia encontrei bons livros de urbanismo e de arquitetura na caixa da Rua Alice, que vieram se juntar aos da minha coleção. Ela era bonitinha com uma portinhola de vidro, que alguém fez o desfavor de levar embora. Agora os livros lá deixados estão sujeitos às rajadas de ventos das chuvas, o que preocupa.

Mas o momento é de desapego. Livros vão e há os que chegam, agora comprados online. Novas camadas de interesse se sucedem e a produção dos novos autores brasileiros está bem interessante. É bom também revisitar os clássicos. Machado, Eça de Queiroz, Lima Barreto, o mundo do passado, das pequenas traições, do apego a valores que azedaram e envenenam nossos dias. Em tempo, nem todos os livros antigos se foram e, em termos de política, teimosamente permaneceram, entre outros, Gramsci, Marx e alguns Lenin...

Publicado no Diário do Rio em 08/04/2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Como mudam os espaços públicos cariocas

Passeio Publico - Alfred Martinet - 1847

As praças e parques públicos da cidade são lugares que amamos e que foram criados de acordo com as demandas de uso de cada momento. As suas formas e os seus elementos variaram ao longo do tempo, determinadas por essas demandas. O primeiro parque público da cidade, e do Brasil, o Passeio Público, foi criado no século XVIII, como reflexo de hábitos que haviam surgido na Europa no século anterior. As classes dominantes passeavam ao ar livre em jardins abertos ao público. Projetado pelo Mestre Valentim, como um jardim francês, com eixo de simetria e caminhos retilíneos, tinha canteiros de plantas nativas e exóticas. O parque terminava numa fonte ladeada por pirâmides, e num mirante, onde se apreciava a vista do mar, um prazer estético que mais tarde seria valorizado pelo advento do romantismo.

No século seguinte surgiram novos parques na cidade, como o Campo de Santana e a Quinta da Boa Vista, concebidos por Auguste F. M. Glaziou, com o uso da linguagem do jardim inglês, o que alcançou o próprio Passeio Público, remodelado de acordo com o novo gosto. O repertório de elementos desses parques incluía lagos, pontes, grutas, morrotes, e árvores de portes variados, crescendo livres de podas que definissem, de forma drástica, as suas formas. Nas praças começaram a ser instalados monumentos e chafarizes em ferro fundido, vindos da Fundição Val D’Osne, na França, muitos deles até hoje resistindo à ação do tempo e, principalmente, à ação do vandalismo.

Nas primeiras décadas do século XX vimos surgir, tanto a Praça Paris, com sua rememoração da geometrização dos arbustos, como o Jardim de Alah, com seus caramanchões. Ambos se utilizaram de esculturas artísticas, canteiros geométricos e a presença da água, no chafariz, ou no próprio Canal do Leblon. Ali se podia circular em barcos a remo, que encostavam nas escadinhas providenciadas pelo projeto. São também dessa época os bancos de pranchas de madeira sobre estruturas de ferro fundido, chamados bancos Paris. Com um belo desenho, e funcionalidade até hoje insuperada, ainda resistem em algumas praças.

Nas décadas seguintes foram realizadas praças em profusão na cidade, providas de chafarizes, coretos, jardins floridos, bancos de ripas de madeiras formando um “S”, um clássico desse momento, caramanchões e canteiros, ora geométricos, ora sinuosos. Eram a medida da qualidade de vida dos bairros, ponto de encontro das crianças, mães e babás, lugar de pausa na faina do trabalho, de encontros românticos e, muitas vezes, valorizavam a área como pontos comerciais para o surgimento de cinemas e cafés. Exemplo disso é a Praça Saens Peña, projetada por José da Silva Azevedo Neto, mas já muito alterada.

Mais tarde, os jardins de Burle Marx, e de tantos quantos seguiram sua linha projetual, passaram a ter bancos de concreto, muitas vezes sinuosos, canteiros amebóides, pedras encontradas no terreno, plantas exóticas, e plantas nativas que, de tão desconhecidas, pareciam exóticas. Mas é interessante notar que enquanto lugares emblemáticos, como Parque do Flamengo e a Praça Salgado Filho seguiam essa nova tendência, dezenas de outras praças continuavam a ser feitas na cidade, segundo projetos mais anônimos e cânones mais tradicionais.

O fim do século XX foi pródigo em praças com pergolados, muitas vezes em concreto armado, que, por falta de manutenção, estão quase fadados à demolição. Foi também o período em que muito se investiu em gradeamento de praças, na vã tentativa de se aumentar a segurança e o controle do uso das mesmas. É desse momento a instalação ad nauseam em praças da cidade do conjunto mesinha de jogos e banquinhos de concreto, de pouco inspirado design. Ao longo do tempo demonstraram ser também frágeis. Hoje, após anos de maus cuidados, é fácil encontrar apenas suas bases com as ferragens à mostra ou as lacunas deixadas nos conjuntos.

Em seguida, viu-se o surgimento dos espaços cobertos para os equipamentos de jogos, como na Praça Afonso Pena, na Tijuca, e em centenas de outras praças da cidade. Esse novo grupamento de mesas de jogos e coberturas em estrutura de madeira e telhas cerâmicas formaram o novo arsenal das intervenções nas praças, instalados independentemente de seu projeto original. Em função do aumento da pobreza e de pessoas que passaram a morar nas ruas, em diversos locais já há quem defenda a sua erradicação como forma de impedir que sirvam de abrigos para essas pessoas. Na Praça de Cascadura eles foram sumariamente demolidos pelo Poder Público, o mesmo que os edificou.

Quiosques de flores e de alimentação também passaram a ser parte do repertório das praças, defendidos como equipamentos de ampliação da segurança dos espaços públicos. E pistas de skate, das mais variadas formas, foram incorporadas aos equipamentos existentes nas praças, assim como quadras de futebol e basquete. Em algumas praças mais bem aquinhoadas, essas quadras são cobertas e até contam com iluminação para jogos noturnos. Quadras de tênis ainda permanecem exceções, encontradas, por exemplo, no Parque do Flamengo. Já os parquinhos, inicialmente dotados do singelo quarteto gangorra, balanço, escorrega, trepa-trepa, em algumas praças ganharam brinquedos mais sofisticados, como pontes pênseis, cordas bambas e túneis.

O paisagista Fernando Chacel trouxe questões importantes para se pensar nos projetos dos espaços públicos, como a recuperação da flora local, que ele denominou de ecogênese. O Bosque da Barra, de sua autoria, assim como a Praça Mozart Firmeza, no Recreio dos Bandeirantes, são exemplos dessa linha de trabalho. No entanto, esse modelo não foi capaz de se firmar em larga escala. Nos inúmeros condomínios da Barra há excelentes praças, bem servidas por equipamentos, mas o jeitão ostentação e as restrições indiretas, como cancelas e guaritas, não contribuem para um amplo uso desses espaços.  

Um equipamento de altíssima demanda nos últimos tempos é o chamado “parcão”, espaço exclusivo para cães circularem sem coleiras. Em 2015, pesquisa do IBGE indicou que o Estado do Rio de Janeiro teria 2,117 milhões de domicílios com cães, o que representaria 35% do total. Na capital esse índice deve ser bem maior. É possível arriscar que há mais militância pela construção de espaços para cães nas praças, do que para a construção de parquinhos para as crianças, os quais demandam áreas até menores.  

Se lá no início da construção de espaços públicos apenas os hábitos das classes dominantes eram contemplados, pode se dizer que, com o tempo, ocorreu uma democratização desses espaços. Assim, os jogos das turmas de idosos, as quadras e as pistas de skates dos mais jovens e o churrasco e a bebida dos boêmios passaram a ser também contemplados. Mas o design da exclusão cobrou seu preço. Bancos de praças receberam divisórias para impedir que as pessoas se deitem, e chafarizes andaram sendo desligados para se evitar o banho dos moradores de rua.

Duas perspectivas já existentes poderiam nortear os novos projetos de espaços públicos da cidade. Uma delas seria o lazer ativo, existente no Parque de Madureira, em que é permitido banhar-se na cascata. A outra é a noção de que espaços públicos podem e devem colaborar para a prestação de serviços ambientais à cidade. Assim, mais áreas permeáveis, florestas de bolso, jardins de chuva e espaços com menos necessidade de cuidados paisagísticos, ou seja, soluções baseadas na natureza, seriam elementos a serem incorporados ao novo repertório de nossos parques e praças. Mas como vimos, esses elementos só serão incorporados aos espaços públicos caso se tornem demandas da sociedade.

artigo publicado no Diário do Rio em 01/04/2021