sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Para quem é a verba?

Sérgio Sá Leitão - Secretário de Cultura do Rio de Janeiro

Não só no Rio, mas também em outras capitais e Estados brasileiros, as Secretarias de Cultura vêm abdicando de importante funções que lhes são afeitas, como a de construir políticas culturais, promover projetos consistentes com duração além de alguns espetáculos e exposições, democratizar o acesso a meios de produzir cultura e de mostrar essa produção, e incentivar a renovação das linguagens. Ao invés disso, essas secretarias preferem repassar boa parte das verbas ao mercado, via produtores, o qual passa a ditar como o dinheiro público deve ser investido.
Quando essas mesmas secretarias decidem repassar verbas diretamente a projetos artísticos, suas escolhas recaem sobre projetos há muito tempo consolidados, que nem de longe representam o futuro. Não se está aqui a defender que projetos como o da OSB não sejam apoiados pelo Poder Público. Mas é evidente que as escolhas estéticas e culturais dos secretários, na maioria das vezes, são pessoais, refletindo o que conheceram ou assimilaram em seus anos de juventude. Essas Secretarias fazem escolhas mirando no passado, incapazes que são de acompanhar o desenvolvimento artístico do presente. Pedir-lhes que se informem sobre o que poderá ser o futuro seria, então, quase impossível.
Mas o mais grave mesmo é o vazio que deixam após o fechamento de um ciclo de poder. Nada se constrói. Nada permanece. O que se vê é o eterno recomeço com artistas e grupos artísticos inseguros sobre como sustentarão seus processos criativos para além da vigência de um edital.
   
"(...) o secretário Sérgio Sá Leitão assinando cinco convênios de quatro anos de duração com entidades escolhidas por ele e sua equipe. Por terem “excelência e público”, a Companhia de Dança Deborah Colker receberá R$ 2 milhões por ano; a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), R$ 6 milhões; o AfroReggae, R$ 3,5 milhões; o Grupo Tá na Rua, R$ 1 milhão; e a Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), R$ 460 mil. No total, só neste ano, foram distribuídos, entre os cinco grupos, R$ 13 milhões — um terço do que foi disponibilizado pela secretaria no edital de fomento à cultura da cidade (R$ 33 milhões)."

http://oglobo.globo.com/cultura/secretaria-de-cultura-repassa-13-milhoes-para-cinco-convenios-11116823


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Ocaso de um bairro carioca

Lâmina projetada pelo escritório Niemeyer para a Brahma
Antiga Fábrica da Brahma no bairro do Catumbi - Rio de Janeiro
O Catumbi é um bairro que passou por uma longa e contínua desestruturação. Já em 1980, o excelente livro “Quando a Rua vira Casa”, de Arno Vogel e Marco Antônio da Silva Mello, com ilustrações de Orlando Mollica, retratou como os moradores foram afetados pelas demolições ali realizadas para a construção do viaduto de triste nome (31 de março), que liga o Túnel Santa Bárbara à Área Portuária. Aliás, que prefeito terá a coragem necessária para sanar esse problema? 

Em 1984, foi construído o Sambódromo, que consolidou a separação entre os dois lados do bairro: aquele junto à encosta de Santa Teresa e o restante, nas proximidades do Cemitério do Catumbi e do antigo presídio da Frei Caneca. O arquiteto Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, atual Secretário de Urbanismo do Rio de Janeiro, tempos atrás, analisou essa ruptura em brilhante artigo de página inteira no antigo Caderno B do Jornal do Brasil.

O presídio foi desativado e integralmente demolido no governo Cabral. Ao contrário do ocorrido no Carandiru, em São Paulo, onde dois pavilhões foram mantidos e ganharam novos usos, do presídio da Frei Caneca nada sobrou. Ou por outra, sobrou apenas o portal desconectado do contexto original. Por mais dolorosas que sejam suas histórias, resquícios de antigos presídios podem nos ensinar sobre as mazelas de nossas sociedades. Mas, como fez Brizola com o presídio da Ilha Grande, nossos governantes preferem o apagamento desses testemunhos da brutalidade humana.

Prometia-se a construção de edifícios residenciais no lugar do antigo presídio, e havia a esperança de que um bom projeto fosse escolhido. Vã esperança. O projeto edificado foi um conjunto habitacional do gênero Minha Casa Minha Vida, cuja implantação e tipologia tem pouca integração com a arquitetura e o tecido urbano do bairro.

Conjunto habitacional no terreno do antigo presídio da Frei Caneca

O último golpe veio em 2011, com a demolição da Fábrica da Brahma, imóvel que era parte da área de ambiência do tombamento do Sambódromo. Com os órgãos de tombamento pressionados pelos governantes, a absurda demolição foi aprovada. Concretizou-se uma operação financeira, cujo balanço não ficou muito transparente. A cervejaria pagou a construção de mais um trecho do Sambódromo e em troca ganhou o direito de demolir sua fábrica histórica para erguer em seu lugar uma lâmina com 80 metros de altura (vinte pavimentos). Alguns elementos decorativos do edifício foram enviados para Petrópolis, ou seja, nem aqui ficaram.


O edifício projetado por Oscar Niemeyer (mais de seu escritório do que do próprio autor, já que o mesmo se encontrava bastante doente à época), um objeto prismático de vidros escuros espelhados, se insere como outro alienígena numa área que ainda conta com dezenas de sobrados ecléticos e edifícios da qualidade do Hospital Escola São Francisco da UFRJ. Ao comentar sua construção (O Globo de 01/12/2013), bem como o potencial da área para o mercado imobiliário, o então presidente do órgão de Patrimônio municipal se entusiasmou dizendo: Agora parece que vai! Realmente não tem sido fácil a proteção de paisagens culturais nesse nosso Rio de Janeiro dos dias atuais. Passados tantos anos, o novo edifício permanece subutilizado, um elefante cinza no Catumbi, que segue esvaziado e maltratado.


Artigo publicado no Diário do Rio em 20 de abril de 2023.  



terça-feira, 12 de novembro de 2013

O que Yeb Sano falou à COP19

Yeb Sano, representante das Filipinas

O discurso do representante das Filipinas na COP19 - 19º Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas em Varsóvia  tocou a todos os presentes por vir do representante de um país que acabava de viver uma catástrofe, muito provavelmente, já fruto das alterações climáticas por que passa nosso planeta. O Supertufão Haiyan (ou Yolanda) varreu o território filipino com uma fúria pouco vista matando milhares de pessoas e deixando um sem número de desabrigados. O representante daquele país na COP19 foi pessoalmente tocado, já que membros de sua própria família foram atingidos.   



Discurso à COP19, por Yeb Sano, líder da delegação filipina

Sr. Presidente, tenho a honra de falar em nome do povo resiliente da República das Filipinas.

No início , permita-me que minha delegação endosse plenamente a declaração feita pelo ilustre Embaixador da República de Fiji, em nome do G77 e China , bem como a declaração feita pela Nicarágua, em nome dos países em desenvolvimento com interesses semelhantes.

Em primeiro lugar, o povo das Filipinas, e nossa delegação aqui para a 19a Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas aqui em Varsóvia, do fundo de nossos corações, muito agradecem pela sua expressão de solidariedade para com o meu país em face dessa dificuldade nacional.

Em meio à tragédia, a delegação das Filipinas é consolada pela hospitalidade da Polônia, com o seu povo nos oferecendo sorrisos em todos os lugares que vamos. Os funcionários do hotel e as pessoas nas ruas, voluntários e trabalhadores dentro do Estádio Nacional têm calorosamente nos oferecido palavras amáveis ​​ de apoio. Então, obrigado à Polônia.

Os arranjos que foram feitos para esta COP também são os mais excelentes e nós apreciamos muito o esforço tremendo que vocês puseram nos preparativos para este importante encontro.

Agradecemos também a todos vocês, amigo(a)s e colegas nesta sala e de todos os cantos do mundo, pelo modo como vocês se colocaram ao nosso lado neste momento difícil. Agradeço a todos os países e governos que estenderam a sua solidariedade e ofereceram assistência para as Filipinas. Agradeço aos jovens aqui presentes e aos bilhões de jovens de todo o mundo que estão ao lado da minha delegação e que estão nos assistindo moldar o seu futuro. Agradeço à sociedade civil, tanto os(as) que estão trabalhando em campo, correndo contra o tempo nas áreas mais atingidas, e aquele(a)s que estão aqui em Varsóvia, nos estimulando a ter um sentido de urgência e de ambição. Estamos profundamente comovidos por esta manifestação de solidariedade humana. Esta manifestação de apoio revela-nos que, como raça humana, podemos nos unir, para cuidar daquilo que nos importa como espécie.

Passaram-se apenas 11 meses desde Doha, quando minha delegação apelou ao mundo para abrir os olhos para a dura realidade que enfrentamos, visto que, então, estávamos também diante de uma tempestade catastrófica que resultou na calamidade mais cara da história das Filipinas. Menos de um ano , portanto, não podíamos imaginar que um desastre muito maior viria! Com uma aparente crueldade do destino, o meu país está sendo testado por este inferno chamado Supertufão Haiyan, que foi descrito por especialistas como o mais forte tufão que já atingiu um pedaço de terra no curso da história humana. Era tão forte que, se houvesse uma categoria 6, ele teria sido encaixado imediatamente. Até este momento, continuamos incertos quanto à extensão da devastação , já que a informação nos chega de uma forma dolorosamente lenta, a conta-gotas, porque as linhas de energia elétrica e de comunicação foram cortadas e pode demorar um pouco até que estes sejam restauradas. A avaliação inicial é a de que Haiyan deixou um rastro de destruição em massa que não tem precedentes, impensável e terrível , afetando 2/3 das Filipinas , com cerca de meio milhão de pessoas agora desabrigadas, e com cenas que lembram as consequências de um tsunami, com um vasto deserto de lama e escombros e cadáveres. De acordo com satélites da National Oceanic and Atmospheric Administration dos EUA estimou-se que Haiyan haja alcançado uma pressão mínima entre cerca de 860 mbar (hPa ou 25,34 inHg ) e o Joint Typhoon Warning Center estima que Haiyan possa ter atingido ventos sustentados por um minuto ou mais de 315 km/h (195 mph) com rajadas de até  378 km/h ( 235 mph ), tornando-o o mais forte tufão na história moderna. Apesar dos grandes esforços que o meu país tinha feito na preparação para o ataque de uma tempestade-monstro, ele era simplesmente uma força poderosa demais e até mesmo para uma nação familiarizada com tempestades, o Supertufão Haiyan foi como nada que já tivéssemos experimentado antes, ou talvez nada que qualquer país já tenha experimentado antes!

O quadro, no rescaldo, emerge muito lentamente rumo a uma visão mais clara. A devastação é colossal! E como se isso não fosse suficiente, outra tempestade está se formando novamente nas águas quentes do Pacífico ocidental. Tremo só de pensar em um outro tufão atingindo os mesmos lugares onde as pessoas ainda nem sequer conseguiram começar a se levantarem...

Para quem continua a negar a realidade que é a mudança climática, eu desafio a sair de sua torre de marfim e ficar longe do conforto da sua poltrona! Eu desafio a ir para as ilhas do Pacífico , as ilhas do Caribe e as ilhas do Oceano Índico e ver os impactos da elevação do nível do mar, para as regiões montanhosas do Himalaia e os Andes para ver as comunidades enfrentarem inundações por degelo, para o Ártico, onde as comunidades tentam lidar com a rápida diminuição da calota polar, para as grandes deltas do Mekong, o Ganges , o Amazonas e o Nilo, onde vidas e meios de subsistência são perdidos em enchentes, para as colinas da América Central que enfrenta furacões monstruosos semelhantes, para as vastas savanas da África, onde as mudanças climáticas também se tornam uma questão de vida ou morte, com comida e água se tornando escassa. Não esqueçamos os enormes furacões no Golfo do México e da costa leste da América do Norte. E se isso não for suficiente, você pode querer fazer uma visita às Filipinas no momento!

A ciência deu-nos uma imagem que se torna cada vez mais clara. O relatório do IPCC sobre mudança climática e eventos extremos ressaltou os riscos associados às mudanças nos padrões climáticos bem como a frequência de eventos extremos. A ciência nos diz, simplesmente, que a mudança climática vai implicar em tempestades tropicais mais intensas. À medida que a Terra se aquece, o que inclui os oceanos, a energia que é armazenada nas águas nas vizinhanças das Filipinas vai aumentar a intensidade de tufões e a tendência que vemos agora é que as tempestades mais destrutivas serão a nova norma.

Isto terá implicações profundas em muitas de nossas comunidades , especialmente as que lutam contra o duplo desafio da crise de desenvolvimento e a crise da mudança climática. Tufões , como Yolanda (Haiyan) e seus impactos representam um lembrete preocupante para a comunidade internacional de que não podemos nos dar ao luxo de adiar a ação climática. Varsóvia deverá se entregar a um esforço ambicioso e deve reunir a vontade política necessária para enfrentar a mudança climática.

Em Doha, perguntamos: "Se não nós, então quem? Se não for agora, então quando? Se não for aqui, onde?" (Emprestado do líder estudantil filipino Ditto Sarmiento , durante a Lei Marcial). Essa frase pode ter caído em ouvidos moucos. Mas aqui em Varsóvia, pode-se muito bem fazer essas mesmas perguntas francas: "Se não nós , quem? Se não for agora, então quando? Se não for aqui em Varsóvia, onde?"

O que o meu país está a atravessar, como resultado deste evento climático extremo, é loucura. A crise climática é uma loucura!

Nós podemos parar com esta loucura! Aqui em Varsóvia!

É a 19ª COP , mas poderíamos muito bem parar de contar, porque o meu país se recusa a aceitar que será necessária uma COP30 ou uma COP40 para resolver a questão da mudança climática. E porque parece que, apesar dos ganhos significativos que tivemos desde que a UNFCCC nasceu, há 20 anos, portanto, continuamos a falhar no cumprimento do objetivo final da Convenção? Agora, nos encontramos em uma situação em que temos de perguntar a nós mesmos – será possível nunca atingir o objetivo definido no artigo 2 º - que é evitar interferência antrópica perigosa com o sistema climático? Ao não cumprir o objetivo da Convenção, podemos estar sancionando a condenação de países vulneráveis!

E se não conseguimos cumprir o objetivo da Convenção, temos que enfrentar o problema de perdas e danos. Perdas e danos associados à mudança climática são uma realidade hoje em todo o mundo. Metas de redução de emissões dos países desenvolvidos estão perigosamente baixas e devem ser elevadas imediatamente, mas mesmo se eles estivessem de acordo com a demanda de redução de 40-50% abaixo dos níveis de 1990, ainda teríamos algumas alterações climáticas inevitáveis e ainda seria preciso lidar com a questão das perda e danos.

Nós nos encontramos em um momento crítico e a situação é tal que até mesmo as metas mais ambiciosas de redução de emissões por parte dos países desenvolvidos, que deveriam ter assumido a liderança na luta contra a mudança climática nas últimos 2 décadas, não serão suficientes para evitar a crise. Agora é tarde demais, tarde demais para falar sobre o mundo ser capaz de confiar em países do Anexo I (do protocolo de Kyoto, isto é, países desenvolvidos) para resolver a crise climática! Entramos em uma nova era  que exige a solidariedade global, a fim de combater a mudança climática e garantir que a busca do desenvolvimento humano sustentável continue na linha da frente dos esforços da comunidade global. É por isso que os meios de apoio para os países em desenvolvimento são cada vez mais cruciais.

Foi o secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, Maurice Strong , que disse que "a história nos lembra que o que não é possível hoje pode ser inevitável amanhã".

Nós não podemos sentar e ficar impotentes olhando para este impasse climático internacional. Agora é hora de agir. Precisamos de uma rota climática de emergência!

Eu falo pela minha delegação. Mas mais do que isso, eu falo pelas inúmeras pessoas que deixarão de ser capazes de falar por si mesmas depois de perecerem sob a tempestade. Também falo por aquele(a)s que ficaram órfã(o)s por esta tragédia. Também falo pelas pessoas correndo agora contra o tempo para salvar os sobreviventes e aliviar o sofrimento das pessoas afetadas pelo desastre.

Podemos tomar medidas drásticas agora para garantir que evitemos um futuro onde supertufões sejam parte do dia-a-dia da vida. Porque nos recusamos, como nação, a aceitar um futuro onde supertufões como Haiyan sejam um fato corriqueiro. Nós nos recusamos a aceitar que fugir de tempestades, evacuando as nossas famílias que sofrem com a devastação e a miséria e tendo que contar os nossos mortos, torne-se a nossa vida! Nós simplesmente nos recusamos a isso!

Devemos parar de chamar eventos, como esse desastre, de naturais. Não é natural que as pessoas continuem a lutar para erradicar a pobreza e buscar o desenvolvimento e sejam golpeados pelo ataque de uma tempestade-monstro, agora considerada como a tempestade mais forte que já atingiu terra habitada. Não é natural pois a ciência já nos disse que o aquecimento global vai provocar tempestades mais intensas! Não é natural, quando a espécie humana já mudou profundamente o clima!

E desastres nunca são naturais. Eles são a interseção de outros fatores além dos físicos. Eles resultam do acúmulo da violação constante dos limites econômicos, sociais e ambientais. A maioria dos desastres meteorológicos é resultado da desigualdade e as pessoas mais pobres do mundo estão em maior risco devido à sua vulnerabilidade e décadas de subdesenvolvimento, que, diga-se de passagem, é ligado ao tipo de busca do crescimento econômico que domina o mundo, o mesmo tipo de busca do chamado crescimento econômico e consumo insustentável, que alterou o sistema climático!

Supertufão Haiyan vistodo espaço - Agência Espacial Japonesa
Agora, se me permitem, quero falar em um tom mais pessoal.

O Supertufão Haiyan desembarcou na cidade natal de minha família e a devastação é impressionante. Eu me esforço para encontrar palavras diante das imagens que vemos a partir da cobertura da imprensa. Eu me esforço para encontrar palavras para descrever como me sinto sobre as perdas e danos que sofremos com este cataclismo.

Até essa hora , eu agonizo enquanto espero por notícias quanto ao destino de meus próprios parentes. O que me dá força renovada e grande alívio foi quando o meu irmão conseguiu se comunicar conosco, para dizer que ele sobreviveu ao ataque (de Haiyan). Nos últimos dois dias, ele ficou recolhendo corpos dos mortos com suas próprias mãos. Ele está com fome e cansado, já que suprimentos e alimentos têm dificuldade de chegar nas áreas mais atingidas .

Chamamos esta COP para prosseguir os trabalhos até que um resultado significativo esteja à vista. Até que sejam feitas promessas concretas para garantir a mobilização de recursos para o Fundo Verde para o Clima. Até que a promessa de criação de um mecanismo de proteção sobre perdas e danos seja cumprida, até que haja segurança no financiamento para adaptação, até que as vias concretas para alcançar os necessários 100 bilhões de dólares sejam construídas, até que vejamos uma ambição real sobre a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa. Devemos colocar o dinheiro onde nossas bocas estão!

Este processo sob a UNFCCC tem sido chamado de muitos nomes. Ele tem sido chamado de uma farsa . Ele tem sido chamado de um encontro anual, intensivo em queima de carbono, de passageiros frequentes inúteis. Ele tem sido chamado de muitos nomes. Mas ele também tem sido chamado de Projeto para salvar o planeta. Ele tem sido chamado de "salvar o amanhã hoje" . Nós podemos consertar isso. Nós podemos parar com esta loucura. Agora. Aqui mesmo, no meio deste estádio de futebol (a COP se realiza no Estádio Nacional, em Varsóvia).

Peço-lhes para nos liderar. E que se deixe a Polônia para sempre conhecida como o lugar em que realmente nos importamos em parar com esta loucura . A Humanidade pode se mostrar à altura da ocasião ? Eu ainda acredito que sim, que nós podemos!



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Rua Equador 506


Em 2006 este edifício estava em ótimo estado de conservação. Funcionava como um depósito de móveis e por ser vizinho a um imóvel tombado, compunha muito bem a ambiência do mesmo. Após o efetivo início do projeto Porto Maravilha, o imóvel se encontra em processo de demolição. É terrível para uma cidade ter órgãos de Patrimônio que não cumprem suas finalidades.



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Como abduzir 5 mil pessoas por hora?


Como abduzir 5 mil pessoas por hora? Prefeitura estima que para o motorista não sentir os efeitos da falta da Perimetral, será necessário que pelo menos 3.500 carros (ou cerca de 5 mil pessoas) por hora deixem de circular pela região no período do rush (O Globo)!!! Abduza-me para uma malha de metrô eficiente e eu agradecerei!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Leilão de combustível fóssil do pré-sal


Muito me angustiam as toneladas de carbono que serão retiradas das profundezas do mar do Brasil e jogadas na atmosfera nas próximas décadas. E me preocupa que um governo que não se caracteriza exatamente pelo cuidado com o Meio Ambiente, vide a aprovação das alterações no Código Florestal, não esteja preparado para eventuais emergências, como vazamentos de petróleo em áreas profundas do oceano.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Sobre manifestações e black-clocs

Black-blocs na manifestação do dia 11.07.2013 - foto Roberto Anderson
O que vi na manifestação do dia 15 de outubro de 2013 e na anterior foram passeatas tranquilas com professores e pessoas apoiando a sua luta, entre as quais me incluo. Mas após as duas últimas passeatas houve confrontos e quebra-quebra sem a participação da maioria dos que lá estiveram protestando. Não vi a última confusão, como não vi nas vezes anteriores, pois não sou platéia para black-blocs. Saio do Centro quando a manifestação que me importa termina. É fato que nesta última havia menos pessoas do que na anterior. E desse jeito haverá cada vez menos. É difícil pedir um pouco de racionalidade a esses garotos? Totalmente. Mas deve ser pedido mesmo assim.
É verdade que os professores até emitiram notas favoráveis aos garotos. Mas isto era compreensível (apesar de não ser inteligente) já que os mesmos os protegeram quando a polícia estava baixando o cacete no dia da fatídica votação do Plano de Salários. O que eu percebo é que os garotos estão à deriva, encantados com o poder intimidatório de seus escudos e coquetéis inflamados. Não fazem política, apesar de ser política a sua ação. Não dialogam, não apresentam propostas que os que não têm sua idade e raiva possam apoiar. Infelizmente vêm agindo como parasitas das manifestações. E como tal, sugam a força e energia destas últimas até tornarem-nas inexistentes. Não sabem o quanto colaboram com o Cabral e o capital...

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Expansão urbana no Campus Fidei

Campus Fidei em Guaratiba

O discurso oficial da Prefeitura é de revalorização das áreas centrais. Mas sua prática é de permitir que o mercado expanda indefinidamente a cidade em direção a áreas verdes da periferia. A Área Portuária, com seus terrenos públicos, se transforma num espaço para investimentos internacionais em prédios espelhados. E recursos públicos serão utilizados para urbanizar um manguezal em Guaratiba e lá deixar uma população de pobres sem acesso a qualquer infraestrutura decente. Se o Papa efetivamente lá estivesse passado, um novo condomínio surgiria para ser vendido a peso de ouro. Como só deu lama...


quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Cemitério dos Ingleses na Gamboa


Localizado na Rua da Gamboa, o Cemitério dos Ingleses (Fig. 1 e 2) é o mais antigo a céu aberto da Cidade do Rio de Janeiro, o que exclui as áreas de sepultamento anteriormente existentes junto ou dentro das igrejas católicas. Ele foi criado após o tratado de amizade entre D. João VI e o Reino Unido em 1810, sendo destinado a receber os súditos ingleses que chegavam ao Brasil após aquele tratado, e que aqui faleciam. Já em 1823 a beleza do seu sítio, em pequena elevação arborizada junto ao mar, era notada por Maria Graham em seu “Diário de uma viagem ao Brasil”:

“Fui hoje a cavalo ao cemitério protestante, na praia da Gambôa, que julgo um dos lugares mais deliciosos que jamais contemplei, dominando lindo panorama em todas as direções. Inclina-se gradualmente para a estrada, ao longo da praia. No ponto mais alto há um belo edifício constituído por três peças: uma serve de lugar de reunião ou, às vezes, de espera para o pastor; uma de depósito para a decoração fúnebre dos túmulos; e a maior, que fica entre os dois, é geralmente ocupada pelo corpo nas poucas horas (pode ser um dia e uma noite), que neste clima podem decorrer entre a morte e o entêrro. Em frente ao edifício ficam as várias sepulturas e os vãos monumentos que erguemos para relevar nossa própria tristeza. Entre estes e a estrada, algumas árvores magníficas.”     

Fig. 1 - Cemitério dos Ingleses em 2013.

Fig. 2 - Cemitério dos Ingleses em 2013.

Em 1985 o Cemitério foi tombado pelo Estado do Rio de Janeiro, justamente por suas qualidades paisagísticas. O inventário realizado pelo Inepac ressaltou a arborização e as campas baixas, muitas delas apenas cobertas por vegetação (Fig. 3). No entanto, o entorno que tanto encantou Maria Graham já não existe. O mar foi afastado por aterro, no qual foi criado um pátio da Rede Ferroviária. Após a desativação do pátio ferroviário, parte do terreno hoje se encontra ocupada pela Cidade do Samba, cuja arquitetura pouco inspirada se ergue como um paredão, vedando a visão do horizonte à frente do cemitério (Fig. 4). Excessivamente próxima também, está a estação do Teleférico do Morro da Providência, cujas dimensões impactam negativamente a ambiência daquele Patrimônio(Fig. 5).


Fig. 3 - Cemitério em 1984 com campas cobertas por vegetação.

Fig. 4 – Cidade do Samba à frente do cemitério


Fig. 5 – Teleférico junto ao muro do cemitério

Aos fundos do Cemitério dos Ingleses, casas do Morro da Providência, que já alcançam vários pavimentos, foram construídas coladas ao seu muro, inclusive utilizando o mesmo como paredes (Fig. 6). Além disso, é possível ver lixo jogado por cima do muro (Fig. 7), e há relatos de que o esgoto de algumas dessas casas é vazado para dentro de cemitério.


Fig. 6 – Favela junto ao muro do cemitério.

Fig. 7 – Lixo proveniente da favela dentro do cemitério

Ao longo do tempo, o Cemitério dos Ingleses alterou também sua feição. Houve uma contínua progressão da pavimentação de caminhos e espaços livres e a cobertura das sepulturas com placas de cimento ou pedra (Fig. 8). As novas sepulturas são mais altas que as antigas. Algumas permanecem, de forma absurda, sem revestimento, com a alvenaria de tijolo aparente (Fig. 9). Muitas árvores deixaram de ser repostas após serem cortadas ou caírem. Assim, é possível notar algumas clareiras, especialmente junto às divisas do terreno. 


Fig. 8 – Maior pavimentação de caminhos e campas

Fig. 9 – Sepultura sem revestimento

Para efeito de comparação, vale à pena observar sítios semelhantes, como o Cemitério dos Ingleses em Recife (Fig. 10), cujas sepulturas permanecem pouco cobertas, ou como cemitérios do Reino Unido, alguns tão antigos como o Cemitério dos Ingleses do Rio de Janeiro. Ali é possível perceber a presença de extensas áreas verdes, maior espaçamento entre as sepulturas, menor altura das mesmas, ou mesmo a inexistência de sua marcação poligonal, com o afloramento apenas da lápide ou do monumento em memória do falecido (Fig. 11-19).  


Fig. 10 – Cemitério dos Ingleses de Recife

    Fig. 11 – Cemitério de Aperton – Reino Unido 

Fig. 12 – Cemitério de Southern-Manchester – Reino Unido

Fig. 13 – Cemitério de Brighton an Preston – Reino Unido        

Fig. 14 – Cemitério de Bronte Parsonage - Reino Unido  

Fig. 15 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 16 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 17 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 18 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 19 – Cemitério de Kensal Green - Londres – Reino Unido (1852)

Um estudo de Jenifer White sobre cemitérios ingleses informa que lá, somente após 1650, os sepultamentos passaram a ser feitos fora de igrejas. Na falta de um modelo, os primeiros cemitérios seguiam o paisagismo de parques privados, com a capela tomando o lugar das casas senhoriais. A partir de 1815, o cemitério francês de Père Lachaise, com seus monumentos mortuários, passou a influenciar os cemitérios ingleses. Esta influência, no entanto, não os fez perder a presença de elementos naturais, numa rememoração da natureza idealizada pelo romantismo, tão cara aos parques de estilo inglês.   

Para que o Cemitério dos Ingleses volte a se destacar por suas qualidades originais, seria importante a implementação do projeto de paisagismo já elaborado para o mesmo, que indica áreas onde a pavimentação deveria ser retirada, áreas a serem ajardinadas ou gramadas, e um plano de manejo das árvores existentes, com previsão de sua reposição e plantio de novas unidades. Outra providência importante, se possível, seria a retirada de boa parte das coberturas das sepulturas mais recentes, tornando-as simples, e por que não, belos canteiros ajardinados. O Rio de Janeiro teria de volta, então, um lugar aprazível para passeios meditativos e apaziguantes.

Artigo publicado no Diário do Rio em 12 de outubro de 2023. 



sábado, 29 de junho de 2013

Mal estar brasileiro em junho de 2013

Manifestação na Av. Pres. Vargas em 20.06.2013 O Globo

Manifestação na Av. Rio Branco em 13.06.2013

Manifestação na Av. Rio Branco em 27.06.2013
Há tempos as redes sociais vêm mostrando o mal estar presente na sociedade brasileira com diversas situações que pareciam se perpetuar. O governo do PT só via diante de si os avanços materiais que, sem dúvida, propiciou aos mais pobres. Esquecendo-se, no entanto, que isto é um processo iniciado no governo Itamar e que passou pelo Plano Real, o governo acreditou que os desvios éticos e derrapagens na condução da economia não seriam capazes de causar maiores turbulências. Ainda mais quando se dispunha de uma paquidérmica aliança com partidos que variavam da esquerda populista à direita advinda da ditadura militar disposta a blindar o governo de críticas durante todos esses anos. Apesar dessa maioria parlamentar, nem uma reforma importante na questão tributária, na organização política, na moralização das relações entre políticos e empresas, etc. foi feita Ao invés disso, essa gigantesca aliança de apoio ao governo pariu a presidência do Senado nas mãos do Sarney e agora do Renan, a Comissão de Direitos Humanos nas mãos do Feliciano, e a liderança do maior partido do governo (PMDB) nas mãos de um político sabidamente acusado de corrupção.

No plano estadual as coisas não iam melhor. No Rio de Janeiro o governador Cabral, para atender interesses empresariais, sepultou o projeto original do Metrô e inventou um linhão que irá comprometer a eficácia do sistema por várias décadas. Além disso, investiu na venda de bens públicos e na demolição do Patrimônio, como no caso do antigo Museu do Índio, dos estádios de atletismo e natação do complexo do Maracanã, e dos quartéis históricos da PM, entre os quais o Quartel General da Rua Evaristo da Veiga. A promiscuidade com empresários gerou as cenas deprimentes de seus secretários bêbados confraternizando em Paris  com Cavendish, dono da empresa Delta, a qual foi acusada das mais diversas malversações do dinheiro público.

O governador e o Prefeito, que há tempos mantêm uma imensa maioria em suas casas legislativas que também impedem qualquer debate crítico sobre os problemas da cidade e do Estado. E motivos não faltaram, como os gastos exorbitantes para mais uma reforma do Maracanã e a licitação caixa-preta do sistema de ônibus da cidade, a opção por BRTs ao invés de sistemas com maior capacidade, as alterações casuísticas na legislação urbana, etc.

As mobilizações virtuais cresceram e na tentativa de expulsão da Aldeia Maracanã, por exemplo, foi possível perceber que havia um grande contingente de jovens dispostos a irem para as ruas. Quando finalmente as ruas se encheram de gente, manifestando com ou sem violência todo o seu desencanto com a situação de estagnação política e ética do país, quais foram as reações dos governos? A Presidente Dilma decidiu investir suas fichas num plebiscito que venha a  impulsionar uma reforma política. O problema é que o tempo conspira contra qualquer mudança via plebiscito que responda em tempo aceitável às demandas da população. Se o governo federal tem essa imensa maioria no Congresso, por que não a convoca para fazer a reforma política a tempo de valer para as próximas eleições? O que se vê é que a rainha está nua e sua base política não é confiável e não lhe serve para muita coisa. Muito menos ao país, já que ela vem cobrando um preço bastante alto em cargos e vantagens pelo apoio acrítico.

O que fez o governador? Falseia um grupo de pretensos manifestantes com o qual se reuniu, querendo  parecer democrático. Isto depois de mandar a sua polícia baixar o cacete nos manifestantes, numa fúria policial que lembrou os tempos da ditadura. E o que faz o Prefeito do Rio? Esconde-se e mantém como Presidente da Comissão de Transportes da Câmara Municipal o Sr. Sebastião Ferraz que declara que "Metrô não presta, o trem não presta, o transporte alternativo não presta, as barcas não prestam" e que por isso não haveria nada melhor do que os ônibus da cidade, que sabidamente prestam um péssimo serviço aos cariocas.

E o que faz a Câmara de Vereadores? Entra em recesso, como se nada estivesse acontecendo. E o que faz o Tribunal de Contas do Município? Arquiva um processo exatamente contra as empresas de ônibus por formação de cartel. E o que fazem Une, Ubes, MST que sempre foram dóceis ao governo? Acreditam que podem representar as ruas e se reúnem com a presidente.  

Tudo isso leva a acreditar que mesmo que as ruas se esvaziem temporariamente, em função do cansaço dos manifestantes, tão cedo os motivos que levaram a esse memorável junho de 2013 não cessarão de existir, sem solução visível no horizonte. É provável que haja um aprendizado, no sentido de que as manifestações se deem em cima de questões e casos específicos, como a mobilização ocorrida para a instalação da CPI dos ônibus na Câmara Municipal do Rio. Daqui para a frente, ao surgir a necessidade, logo se verá um grupo se fazendo presente. Como muitos cartazes vistos nesses dias afirmam, o povo acordou, saiu do Facebook, e tomou gosto pela coisa. Novas turbulências ainda deverão vir. Inevitavelmente.

Polícia Militar à frente da Alerj em 27.06.2013
Manifestação na Av. Pres. Vargas em 20.06.2013
Manifestação na Av. Pres. Vargas em 20.06.2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Alternativas à demolição de estádios esportivos no entorno do Maracanã


Este estudo pretende analisar as alternativas de criação de espaços para a circulação de pedestres no entorno do Estádio Mário Filho – Maracanã, avaliando a necessidade de demolição dos equipamentos de atletismo e de natação existentes nas imediações do estádio, conforme indicado pelo projeto do Governo do Estado do Rio de Janeiro em licitação de concessão desse equipamento à iniciativa privada.  


O projeto original


Ao iniciar o longo processo de reforma do Maracanã, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através do Escritório de Gerenciamento de Projetos do Governo, órgão da Secretaria de Estado da Casa Civil, contratou a empresa Steer Davies Gleave (http://www.steerdaviesgleave.com/) para que esta fizesse um estudo do fluxo de pedestres na área no entorno daquele estádio. O documento preliminar desse estudo (draft), em anexo, indicava a carência de espaços para pedestres no entorno do Maracanã (Fig 1) e a necessidade de acréscimo de áreas de circulação para os mesmos. A empresa então propôs a ocupação de área do Ministério da Agricultura, junto à Rua Mata Machado. Ela propôs também o avanço da área destinada aos pedestres junto aos dois portais principais sobre áreas de trânsito de veículos, por meio de um inteligente redesenho do entorno.

Na área próxima ao portal da Radial Oeste, foi proposto o desvio das faixas de rolamento de veículos que vêm da Avenida Professor Manoel de Abreu em direção à Avenida Radial Oeste (Fig. 2). Este desvio é possível com a transferência dessas faixas de rolamento para o centro de uma ilha de tráfego existente entre essas duas avenidas. Do ponto de vista do desenho urbano, essa proposta é interessante, já que o traçado atual demonstra ter sido pensado de forma a não haver redução de velocidade dos veículos provenientes da Avenida Professor Manoel de Abreu, o que contraria visões mais contemporâneas da cidade, que dão prioridade aos pedestres e propugnam por um trânsito de veículos em baixa velocidade no espaço urbano.    

Na área próxima à Avenida Maracanã o acréscimo de área de pedestres é feito com a incorporação de uma baia para veículos junto à entrada do estádio voltada para aquela avenida. Como já dito, na área próxima à nova rampa da Rua Mata Machado é proposta a incorporação de uma área anteriormente utilizada pelo Ministério da Agricultura.

Fig. 1 - Atuais áreas de circulação de pedestres no entorno do Estádio do Maracanã

Fig. 2 - Proposta de áreas de circulação de pedestres – Steer Davies Gleave 

Vale observar que na proposta da Steer Davies Gleave há uma preocupação em acrescentar áreas livres diante das três entradas principais, não havendo indicação de demolição do Estádio Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare, respectivamente estádio de atletismo e estádio de natação. 



O projeto da Prefeitura para a reurbanização do entorno do Maracanã 


Em 2011 a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro chegou a anunciar que licitaria a urbanização do entorno do Estádio Mário Filho, tal como proposto pela Steer Davies Gleave, ao custo de R$ 117,9 milhões (Fig. 3, 4 e 5) O projeto paisagístico era do escritório Burle Marx.


Fig. 3 – projeto da Prefeitura do Rio de urbanização do entorno
conforme proposta da Steer Davies Gleave 

Fig. 4 - projeto da Prefeitura do Rio de urbanização do entorno
conforme proposta da Steer Davies Gleave, mantendo Estádio Célio de Barros

Fig. 4 - projeto da Prefeitura do Rio de urbanização do entorno
conforme proposta da Steer Davies Gleave, mantendo Estádio Célio de Barros

O atual projeto do Governo do Estado do Rio de Janeiro


O documento Projeto Maracanã, de 2012, em anexo, da Secretaria de Estado da Casa Civil, prevê a demolição do Estádio Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare e as reconstruções dos mesmos, sem indicar o local onde isto se daria.

Sabe-se por declarações das autoridades estaduais que atualmente tal reconstrução ocorreria nas duas áreas com disponibilidade de uso do outro lado da via férrea, junto à Quinta da Boa Vista (áreas C e D da Fig. 6). No entanto, originalmente elas seriam destinadas ao estacionamento de automóveis e receberiam um parque público com 92 mil m², o Parque Glaziou, com projeto do escritório Burle Marx, ampliando a área da Quinta da Boa Vista e representando um importante legado da Copa para a cidade (Fig. 7). Haveria uma larga passarela ligando o estacionamento à área do Estádio Maracanã (Fig. 8 e 9). O vídeo explicativo do projeto pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=uOt3NnuqBwU. O mesmo documento Projeto Maracanã, de 2012 prevê a construção de edifícios de estacionamento sobre parte da área indicada pela Steer Davies Gleave como sendo para a ampliação de espaços de circulação de pedestres (Fig. 10 e 11).

Fig. 6 – Áreas no entorno do estádio do Maracanã – Documento da casa Civil


Fig. 7 – Indicação de passarela, parque e área para estacionamento
junto à Quinta da Boa Vista

Fig. 8 – Indicação de passarela e parque junto à Quinta da Boa Vista em vídeo institucional

Fig. 9 – Projeto de passarela junto ao Maracanã
(notar a presença dos estádios de atletismo e de natação) 


Fig. 10 – Proposta do Governo do Estado com construção de garagem – setor Radial Oeste


Fig. 11 – Proposta do Governo do Estado com construção de garagem – setor Av. Maracanã


Ora, há aí uma enorme incoerência: as áreas conquistadas ao tráfego de veículos para servirem aos pedestres passariam a ser usadas como estacionamentos e comércio, e as áreas hoje ocupadas pelos estádios de atletismo e de natação seriam oferecidas para suprir a nova necessidade de circulação de pedestres criada com a construção dos edifícios comerciais e de estacionamento. Isto seria um enorme desperdício de recursos públicos, já que esta solução implica a demolição de equipamentos em uso e sua reconstrução.

Um problema adicional, advindo da localização proposta para os novos edifícios, é o empachamento ou obstrução da visualização do Estádio Mário Filho, bem tombado federal. A altura daqueles edifícios (o projeto parece indicar um térreo mais três pavimentos e uma mureta na cobertura, perfazendo algo em torno de 12m) impedirá a visão do estádio por quem esteja a pé ou de carro em trechos consideráveis das vias que circundam o estádio.


A necessidade de áreas de circulação de acordo com a FIFA

Além do já exposto, há que se considerar que muito provavelmente as áreas hoje ocupadas pelos estádios não supririam bem a necessidade de circulação dos pedestres que chegarem ao estádio, uma vez que são laterais às entradas principais.

O documento da FIFA “Estádios de Futebol – 5ª Edição 2011”, em anexo, em seu item 3.2, intitulado Acesso e Saída de Público indica a necessidade de uma “cerca localizada a certa distância”. Nesta cerca seriam feitas “as primeiras verificações de segurança e, quando necessárias, revistas corporais seriam feitas nessa área.” Uma segunda verificação do público “será feita nas catracas do estádio”. Ora, é evidente que esta área antes da referida cerca necessita ser diante das principais entradas e não em posição lateral. O atual projeto proposto pelo Governo do Estado para o entorno do Maracanã ocupa uma boa parte destas áreas frontais com edifícios de estacionamento e lojas no térreo. Dessa forma o projeto negligencia a necessidade de área diante das entradas principais, privilegiando a oferta de área livre diante dos bares e restaurantes a serem implantados pelos futuros concessionários sob os edifícios dos estacionamentos.


As áreas para evasão do público


O Estádio Mário Filho ficou conhecido, entre outras razões, por sua capacidade recorde de público no Brasil. Ali já couberam quase 200 mil pessoas (199.854 pessoas na final entre Brasil e Uruguai na final da Copa de 1950). Com novas intervenções visando o conforto dos usuários, como a supressão da geral, sua capacidade caiu para 86 mil pessoas. As obras ora em curso, de adaptação do estádio para a Copa de 2014, reduzirão ainda mais esta capacidade, que passará para 76 mil lugares.

O citado estudo da Steer Davies Gleave informa que uma das exigências da FIFA é a possibilidade de escoamento do público do estádio em casos de pânico em até 8 minutos. Para tanto, além de saídas bem dimensionadas, são necessárias áreas de acumulação do público que saia apressadamente do estádio.

A reforma do Maracanã criou mais duas novas saídas de público, reduzindo em aproximadamente 50% a responsabilidade das antigas saídas da Avenida Radial Oeste e da Avenida Maracanã. Se cada uma dessas saídas recebesse ¼ do público total, teríamos uma demanda de 19 mil pessoas por saída. Se cada uma das pessoas que optassem pelas duas antigas saídas necessitasse de 0,70x1,00m, ou seja 0,70m² (largura mais que suficiente, considerando que uma porta tem em média 0,70m), seriam necessários 13.300m² para acomodá-las, caso as mesmas não continuassem a se dispersar pelas ruas vizinhas, situação mais próxima da realidade.

Quando se calcula a área livre para pedestres na proposta da Steer Davies Gleave, que não implica na demolição dos estádios de atletismo e de natação, chega-se à conclusão que haveria uma oferta de 170 mil m² de área livre diante do portal voltado para a Avenida Radial Oeste e 228 mil m² nos espaços diante do portal voltado para a Avenida Maracanã e na área anteriormente ocupada pelo Ministério da Agricultura (Fig. 12). Ou seja, são áreas mais que suficientes para acomodar com folga todos os torcedores que viessem a sair de uma só vez naquelas direções.    


Fig. 12 – Cálculo das áreas livres propostas por Steer Davies Gleave

Conclusão


O cálculo de áreas disponíveis na proposta feita pela Steer Davies Gleave, que não indica a necessidade de demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare, atende à necessidade da FIFA de uma área diante das catracas para a realização dos primeiros controles dos torcedores. Estas áreas são suficientes para acomodar os torcedores em caso de saída apressada em casos de pânico.

A atual proposta do Governo do Estado do Rio de Janeiro (Projeto Maracanã, de 2012) tem os inconvenientes de ocupar parte das áreas diante das entradas da Avenida Radial Oeste e Avenida Maracanã, prejudicando os procedimentos de segurança. Esta proposta, que parece privilegiar a oferta de áreas para lojas, bares e restaurantes, desconsidera a hipótese de se levar o estacionamento de veículos para os terrenos existentes nas proximidades da Quinta da Boa Vista, acessíveis por futura passarela. Ela ainda é prejudicial à ambiência do bem tombado. Por fim, ela implica em desperdício de recursos públicos com a demolição de equipamentos já construídos e sua reconstrução em outros locais.

Face ao exposto, conclui-se que a atual proposta do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que implica a demolição dos referidos estádios esportivos, não é a melhor solução a ser adotada.