sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Para quem é a verba?

Sérgio Sá Leitão - Secretário de Cultura do Rio de Janeiro

Não só no Rio, mas também em outras capitais e Estados brasileiros, as Secretarias de Cultura vêm abdicando de importante funções que lhes são afeitas, como a de construir políticas culturais, promover projetos consistentes com duração além de alguns espetáculos e exposições, democratizar o acesso a meios de produzir cultura e de mostrar essa produção, e incentivar a renovação das linguagens. Ao invés disso, essas secretarias preferem repassar boa parte das verbas ao mercado, via produtores, o qual passa a ditar como o dinheiro público deve ser investido.
Quando essas mesmas secretarias decidem repassar verbas diretamente a projetos artísticos, suas escolhas recaem sobre projetos há muito tempo consolidados, que nem de longe representam o futuro. Não se está aqui a defender que projetos como o da OSB não sejam apoiados pelo Poder Público. Mas é evidente que as escolhas estéticas e culturais dos secretários, na maioria das vezes, são pessoais, refletindo o que conheceram ou assimilaram em seus anos de juventude. Essas Secretarias fazem escolhas mirando no passado, incapazes que são de acompanhar o desenvolvimento artístico do presente. Pedir-lhes que se informem sobre o que poderá ser o futuro seria, então, quase impossível.
Mas o mais grave mesmo é o vazio que deixam após o fechamento de um ciclo de poder. Nada se constrói. Nada permanece. O que se vê é o eterno recomeço com artistas e grupos artísticos inseguros sobre como sustentarão seus processos criativos para além da vigência de um edital.
   
"(...) o secretário Sérgio Sá Leitão assinando cinco convênios de quatro anos de duração com entidades escolhidas por ele e sua equipe. Por terem “excelência e público”, a Companhia de Dança Deborah Colker receberá R$ 2 milhões por ano; a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), R$ 6 milhões; o AfroReggae, R$ 3,5 milhões; o Grupo Tá na Rua, R$ 1 milhão; e a Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), R$ 460 mil. No total, só neste ano, foram distribuídos, entre os cinco grupos, R$ 13 milhões — um terço do que foi disponibilizado pela secretaria no edital de fomento à cultura da cidade (R$ 33 milhões)."

http://oglobo.globo.com/cultura/secretaria-de-cultura-repassa-13-milhoes-para-cinco-convenios-11116823


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Ocaso de um bairro carioca

Lâmina projetada pelo escritório Niemeyer para a Brahma
Antiga Fábrica da Brahma no bairro do Catumbi - Rio de Janeiro
O Catumbi é um bairro que passou por uma longa e contínua desestruturação. Já em 1980, o excelente livro “Quando a Rua vira Casa”, de Arno Vogel e Marco Antônio da Silva Mello, com ilustrações de Orlando Mollica, retratou como os moradores foram afetados pelas demolições ali realizadas para a construção do viaduto de triste nome (31 de março), que liga o Túnel Santa Bárbara à Área Portuária. Aliás, que prefeito terá a coragem necessária para sanar esse problema? 

Em 1984, foi construído o Sambódromo, que consolidou a separação entre os dois lados do bairro: aquele junto à encosta de Santa Teresa e o restante, nas proximidades do Cemitério do Catumbi e do antigo presídio da Frei Caneca. O arquiteto Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, atual Secretário de Urbanismo do Rio de Janeiro, tempos atrás, analisou essa ruptura em brilhante artigo de página inteira no antigo Caderno B do Jornal do Brasil.

O presídio foi desativado e integralmente demolido no governo Cabral. Ao contrário do ocorrido no Carandiru, em São Paulo, onde dois pavilhões foram mantidos e ganharam novos usos, do presídio da Frei Caneca nada sobrou. Ou por outra, sobrou apenas o portal desconectado do contexto original. Por mais dolorosas que sejam suas histórias, resquícios de antigos presídios podem nos ensinar sobre as mazelas de nossas sociedades. Mas, como fez Brizola com o presídio da Ilha Grande, nossos governantes preferem o apagamento desses testemunhos da brutalidade humana.

Prometia-se a construção de edifícios residenciais no lugar do antigo presídio, e havia a esperança de que um bom projeto fosse escolhido. Vã esperança. O projeto edificado foi um conjunto habitacional do gênero Minha Casa Minha Vida, cuja implantação e tipologia tem pouca integração com a arquitetura e o tecido urbano do bairro.

Conjunto habitacional no terreno do antigo presídio da Frei Caneca

O último golpe veio em 2011, com a demolição da Fábrica da Brahma, imóvel que era parte da área de ambiência do tombamento do Sambódromo. Com os órgãos de tombamento pressionados pelos governantes, a absurda demolição foi aprovada. Concretizou-se uma operação financeira, cujo balanço não ficou muito transparente. A cervejaria pagou a construção de mais um trecho do Sambódromo e em troca ganhou o direito de demolir sua fábrica histórica para erguer em seu lugar uma lâmina com 80 metros de altura (vinte pavimentos). Alguns elementos decorativos do edifício foram enviados para Petrópolis, ou seja, nem aqui ficaram.


O edifício projetado por Oscar Niemeyer (mais de seu escritório do que do próprio autor, já que o mesmo se encontrava bastante doente à época), um objeto prismático de vidros escuros espelhados, se insere como outro alienígena numa área que ainda conta com dezenas de sobrados ecléticos e edifícios da qualidade do Hospital Escola São Francisco da UFRJ. Ao comentar sua construção (O Globo de 01/12/2013), bem como o potencial da área para o mercado imobiliário, o então presidente do órgão de Patrimônio municipal se entusiasmou dizendo: Agora parece que vai! Realmente não tem sido fácil a proteção de paisagens culturais nesse nosso Rio de Janeiro dos dias atuais. Passados tantos anos, o novo edifício permanece subutilizado, um elefante cinza no Catumbi, que segue esvaziado e maltratado.


Artigo publicado no Diário do Rio em 20 de abril de 2023.