domingo, 28 de junho de 2020

Hora da revisão do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro

foto: Roberto Anderson

O atual Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro foi aprovado pela Lei Complementar nº 111/2011. Conforme determina o Estatuto das Cidades, ele deve ser revisado a cada dez anos e avaliado a cada cinco. Como já se passaram nove anos, a Prefeitura deu início a essa revisão e, muito provavelmente, caberá à próxima legislatura votar as propostas encaminhadas pelo Prefeito. É possível acompanhar esse processo no link https://plano-diretor-pcrj.hub.arcgis.com/

É hora, então, de se pensar em alguns princípios gerais que deveriam nortear essa discussão. Questões como sustentabilidade, áreas de proteção ambiental, áreas de cultivo, equidade de acesso a serviços e equipamentos públicos, mistura social no território, oferta de emprego e fortalecimento de centralidades não têm como ser evitadas numa concepção mais contemporânea e democrática do planejamento urbano.       

Um ponto importante a ser discutido é o que se relaciona com a noção de “cidade compacta”. Contrariamente a um liberalismo até aqui vigente quanto à ocupação do território, que nos legou cidades espraiadas, hoje se defende a contenção do crescimento urbano, com o desestímulo à ocupação de áreas ainda não urbanizadas. O crescimento urbano descontrolado é um processo danoso, por consumir áreas verdes ou agricultáveis, por encarecer o fornecimento de infraestrutura para longas distâncias, e por “pular” áreas vazias dentro do território já servido de infraestrutura. Isto favorece a especulação imobiliária e cobra um alto preço à municipalidade. O Estatuto das Cidades trouxe novos mecanismos, como o imposto progressivo e a edificação compulsória, que podem induzir a reentrada desses terrenos no mercado imobiliário. O plano Diretor deveria estabelecer essas diretrizes.

Por falar em Estatuto das Cidades, muitos de seus instrumentos, para serem aplicados, necessitam entrar nas legislações municipais e serem regulamentados. Exemplo disso é o Relatório de Impacto de Vizinhança, até hoje não regulamentado na Cidade do Rio de Janeiro. A revisão do Plano Diretor é um bom momento para isso.

A discussão sobre centralidades também é muito apropriada. Dois autores de planos anteriores acreditaram que poderiam deslocar a centralidade principal da cidade. O Plano Doxiadis, da década de 1960, pensou um segundo centro em Santa Cruz. Mais tarde, o Plano Lucio Costa para a Baixada de Jacarepaguá imaginou a criação de um centro metropolitano naquela área, em substituição ao atual. Nenhum dos dois teve sucesso nesse ponto, uma vez que não se desloca artificialmente um centro principal da cidade.

O Rio de Janeiro é uma cidade policêntrica e um maior equilíbrio entre esses centros é mais do que desejável. Isso significaria mais investimentos na requalificação dos mesmos, incentivos à instalação de empresas, visando mais ofertas de empregos, e implantação de mais equipamentos de cultura e lazer. Assim, os deslocamentos diários em direção aos centros de emprego, poderiam ser bastante reduzidos.

Há um outro ponto importante e difícil, que a revisão do Plano Diretor deveria enfrentar, o da mistura social nos bairros da cidade. É um objetivo que levanta objeções e entraves criados pelo mercado imobiliário, que seleciona áreas da cidade para a ocupação por famílias de renda mais alta. No entanto, uma maior mistura social no território urbano traria diversidade, mais compreensão e tolerância, e maior equidade na qualidade dos serviços urbanos. É um objetivo que a Lei de Solidariedade Social na França buscou alcançar. Também a revisão do Plano Diretor de São Paulo agregou alguns instrumentos nesse sentido.

A atual administração vem propondo alterações na legislação que proíbe construções acima da cota 100, ou seja, nas encostas, e de loteamentos nessas áreas. Isso afeta diretamente o nosso maior patrimônio, que é a nossa paisagem. O fato de haver invasões em áreas de preservação ambiental não pode ser combatido com o reconhecimento dessa prática. As florestas urbanas do Rio tornam nossa cidade única e amada!

Por fim, o Plano Diretor em vigor considera que todo o território da cidade é área urbana. Essa caracterização fragiliza a manutenção de áreas de plantio, tradicionalmente existentes, por exemplo, em Guaratiba, Santa Cruz e Campo Grande. A abertura do Túnel da Grota Funda, que liga a cidade a Guaratiba, pode dar início a um processo de urbanização descontrolada daquela área, com o fim dos pequenos sítios. Seria muito positivo que a revisão do Plano Diretor reconsiderasse essa questão.

Os pontos aqui comentados não esgotam a discussão sobre as diretrizes de desenvolvimento urbano que queremos para nossa cidade. Mas devemos nos familiarizar com essas questões e buscar compreendê-las. As legislações vigentes refletem pensamentos e propostas que, nem sempre, vêm ao encontro do interesse da sociedade. Se vencermos a barreira da desinformação, já estaremos mais aptos a participar desse debate e, quem sabe, vencê-lo.

Roberto Anderson Magalhães é arquiteto e urbanista, professor de Urbanismo na PUC-Rio, e foi candidato a vice-prefeito da Cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 2016.  

artigo publicado no Diário do Rio em 25 de junho de 2020

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