sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Plantar é preciso

No início da década de 1970, morando no Jardim Botânico, li no jornal que a Prefeitura do Rio tinha um novo serviço, um telefone para quem quisesse solicitar o plantio de uma árvore. Bastava indicar o endereço de um espaço vazio na calçada, onde já existisse uma gola, aquele quadrado não pavimentado da calçada. Melhor ainda, na primeira tentativa, descobri que o serviço funcionava, realmente vinha um caminhão com um grupo de trabalhadores e plantavam a muda solicitada. Se não me engano, era até possível indicar a espécie desejada, o que me levou a pesquisar sobre o assunto. 

Detentor desse novo poder, saía andando pela vizinhança anotando os endereços de possíveis plantios que, após comunicados à Prefeitura, eram devidamente realizados. Depois, eu voltava a circular pelo bairro, verificando se as mudas estavam bem, se ninguém as havia danificado. Me lembro de um morador que passou a regar a que foi plantada diante da sua casa, e da vontade de lhe contar a minha façanha. 

Hoje em dia, ao caminhar pelo bairro, reconheço algumas árvores plantadas após aqueles telefonemas. Estão grandes e frondosas, e espero que, tão cedo, não sejam abatidas pelo corte realizado pela mesma prefeitura, chamada a remover árvores com risco de queda. Aliás, uma das grandes demandas que chegam atualmente à administração municipal é a poda de árvores, muitas vezes por motivos fúteis. 

Ainda é possível solicitar o plantio de uma árvore, mas o pedido entra numa fila que, no final da malfadada administração Crivella, era gigantesca e pouco atendida. Não deve ter sido zerada, já que a Prefeitura não destina verbas específicas para arborização urbana, dependendo de medidas compensatórias, quando novas edificações são licenciadas ou crimes ambientais são autuados. Uma pena que não seja algo atendido com rapidez pois, em tempos de crise climática, o cidadão que pede o plantio de uma árvore está solicitando um serviço de primeira necessidade. É preciso engajar a sociedade na tarefa de tornar nossas ruas mais arborizadas. Mas, antes, é preciso que a Prefeitura tenha a arborização urbana como projeto prioritário para as atuais condições climáticas. 

Em 2019, com um plano de tornar a cidade mais sustentável e mais resiliente às ondas de calor produzidas pela crise climática, a Prefeitura de Paris anunciou a meta de plantar 20 mil novas árvores até o fim de 2020. Esta meta foi atualizada para um plantio de 170 mil novas árvores até 2026, o que será uma marca notável. Além disso, a cidade irá remover 40% do asfalto da cidade. E esse trabalho já está sendo executado. 

Tanto quanto o Rio de Janeiro, e São Paulo, a cidade de Paris é membro do C 40, a rede de prefeitos de cidades que se propõem a buscar soluções para a crise climática. No entanto, nesta última é muito claro que existe um plano de adaptação da cidade a esse novo desafio, e que o mesmo está sendo colocado em prática. Por que não percebemos isso em nossas cidades? Os planos aqui até existem, mas mesmo tendo metas menos ambiciosas, não são desenvolvidos. A questão climática esteve pouco presente nas propostas de prefeitos e vereadores recém-eleitos, uma lacuna incompreensível. É preciso mudar, é preciso plantar. 

Artigo publicado em 10 de outubro de 2024 no Diário do Rio.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Um voto por Marielle

No próximo domingo, os brasileiros, com exceção dos moradores de Brasília, elegerão seus prefeitos e vereadores. Até aqui as disputas para prefeitos das capitais, como de costume, vêm sendo relativamente bem acompanhadas pela imprensa. São Paulo nos apresentou o bolsonarismo ponto 2, a nova ameaça. Uma evolução naquilo que já provocava calafrios e que se acreditava não poder ser pior. Pois pode. Um modelo de fazer política na base da agressão permanente, da lacração pela prática de caluniar adversários, de se mostrar abertamente misógino, preconceituoso e violento. Um modelo que, por se mostrar viável eleitoralmente, mesmo que não alcance a vitória num primeiro momento, deverá se expandir por entre oportunistas de todos os quadrantes do país.

No entanto, a atenção aos candidatos à vereança é sempre menor, o que faz com que os resultados sejam surpreendentes, e mesmo ignorados pela maioria do eleitorado. Desatenção preocupante. São nas Câmaras de Vereadores que os prefeitos confirmam suas políticas para as cidades, ou as têm corrigidas. De lá partem as aprovações de onde gastar os recursos públicos municipais. De lá partem leis que afetam o dia a dia do cidadão. De lá partem legislações que podem afetar irremediavelmente a paisagem das cidades ou protegê-las. São as Câmaras Municipais que homenageiam e concedem títulos de cidadãos honorários a pessoas merecedoras das homenagens e a outras que nem tanto.

Foi na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que uma mulher vinda da favela se projetou nacionalmente, e internacionalmente, infelizmente pela pior das razões, o seu assassinato. Marielle Franco, usando seu mandato a serviço dos mais desfavorecidos, ousou contrariar os interesses da máfia da grilagem de terras urbanas na cidade, que ocorre geralmente por desmatamento e ocupação de terras públicas. Se a ação de uma vereadora foi capaz de incomodar criminosos tão poderosos, com ramificações no Tribunal de Contas, na política e na polícia, é porque esse tipo de prática está ocorrendo debaixo do nosso nariz e precisamos de mais pessoas corajosas que a enfrente. Nunca nos esqueçamos que a terra urbana, um valor construído coletivamente, que deveria ser usada para o benefício coletivo, foi transformada em um grande ativo econômico, alvo de especulação, pelo qual grupos poderosos, alguns mafiosos, se digladiam. E cabe ao poder municipal, o que inclui a Câmara de Vereadores, regular o uso dessa terra.

Há muito o que fazer pelas cidades. Há a crise climática batendo às portas e exigindo políticas de adaptação. Há a necessidade de arborização intensa das ruas e praças, e a necessidade de buscar melhores soluções para o problema das chuvas torrenciais. Há diversos novos modelos de organização do espaço urbano sendo implementados nas principais cidades do mundo. Paris vem investindo no conceito de proximidade da moradia ao trabalho, às necessidades mais básicas e ao lazer, a chamada cidade de 15 minutos. Cidades de países nórdicos vêm buscando novos parâmetros na busca da construção da sustentabilidade.

Na cidade do Rio de Janeiro vemos ações descosturadas. Uma rede de ciclovias incompleta e malcuidada, um VLT limitado aqui, uns novos parques ali, um metrô que não avança acolá, um programa de revitalização de áreas centrais que pode se transformar no paraíso dos investidores em imóveis para locação de temporada... Em todas essas políticas a ação, ou omissão da Câmara de Vereadores se faz presente. E boa parte dos vereadores eleitos não têm ideia da complexidade da cidade, voltando-se para o atendimento de demandas paroquiais ou para o simples endosso das políticas propostas pelo prefeito.   

No próximo domingo o eleitor terá mais uma chance de fazer bonito, de enviar às Câmaras de Vereadores políticos comprometidos com o bem-estar dos cidadãos e com a melhoria das cidades. Por isso, é tão importante nessa reta final voltar a atenção para os candidatos àquelas casas. Se entre os candidatos a prefeitos há os bem-intencionados, mas também há os histriônicos, os populistas e os violentos, entre os candidatos às câmaras municipais esses atributos estão muitas vezes multiplicados. Dá trabalho, mas é muito importante saber escolher. A memória de Marielle merece um voto consciente. 

Artigo publicado em 03 de outubro de 2024 no Diário do Rio