sábado, 27 de março de 2021

O linchamento do servidor


Nesta semana me vi envolvido num turbilhão de forças políticas que buscaram me pintar como alguém com os piores sentimentos do mundo, capaz de desejar a morte de alguém, no caso o Presidente da República.

Sou de oposição, me orgulho de não ter votado no atual Presidente, justamente por antever ameaças à democracia que os seus seguidos mandatos como Deputado já demonstravam. Mas nem nos meus piores pesadelos poderia imaginar que a ação política do Presidente levaria o Brasil à catastrófica situação em que se encontra. Por sua ação contra a compra de vacinas, por sua incitação às aglomerações contagiantes, por desacreditar o uso das máscaras, pela recomendação do uso de remédios sem comprovação científica, e por intervenção direta na política de saúde, ao demitir ministros comprometidos com o combate à pandemia, chegamos à inacreditável soma de 300 mil mortos, com tendência de crescimento. Médicos e enfermeiros estão exaustos, muitos tendo morrido, hospitais estão superlotados, nem todos os doentes conseguem atendimento, e os cemitérios são densamente povoados pelos corpos dos vencidos.

Na última quinta-feira participei de reunião de trabalho em que pessoas tiravam as máscaras, ou se aproximavam perigosamente sem as mesmas, num claro sinal de incompreensão da gravidade do momento. À noite, cheguei em casa cansado, depois de trabalhar o dia inteiro com minha máscara apertada, temendo por minha saúde, e fiz um desabafo no Facebook. Escrevi “quero o fim político ou físico de Bolsonaro”. Claro que não desejo matar ninguém, não acredito em soluções violentas, sou da paz. O que escrevi era a expressão de uma vontade por uma solução mágica, que fizesse o presidente desaparecer, se desmanchar no ar, ser apenas um pesadelo que não mais existisse quando acordássemos. E assim, as pessoas de bem, e da ciência, poderiam cuidar da pandemia, dar fim a esse momento trágico no país.

Um dia após minha postagem, já havia muitos ataques de seguidores do Presidente da República. Dois dias depois fui surpreendido por um vídeo do Deputado Federal Luiz Lima dizendo que havia pedido à PGR o meu enquadramento na Lei de Segurança Nacional. E em seguida, surgiu um vídeo no YouTube me apresentando como um ser execrável. Estou realmente assustado com o desenrolar dos acontecimentos e com a possibilidade de alguma ação extremada contra minha pessoa.

Admito que o que eu escrevi pode ter deixado brechas a outras interpretações. Somos falhos, muitas vezes erramos. Mas tenho a absoluta certeza de que não tenho desejos de violência contra ninguém. No entanto, estou sendo acusado de incitação a um crime. Como incitar alguém se escrevi na primeira pessoa do singular? Sujeito oculto eu, não há como conclamar ninguém. Qualquer que seja o conteúdo do que escrevi, é a expressão de um pensamento pessoal. Não lidero grupos, nem fanáticos.

E aí entramos perigosamente no campo do cerceamento da liberdade de expressão. A invocação à Lei de Segurança Nacional, reconhecida por diversos juristas como um entulho da ditadura militar, tem como única finalidade acossar opositores do Presidente, fazê-los se sentirem ameaçados pelo Estado, calar suas vozes. Levantamento feito pela equipe de advogados congregada por Felipe Neto encontrou mais de 200 pessoas no Brasil sofrendo ameaças semelhantes. Isso é uma situação absurda, um retrocesso, uma ameaça à democracia!

Um dos comentários escritos por apoiadores da atitude do Deputado é bem exemplificador do pensamento dominante entre esse grupo: “Esse bandido tinha que ser funcionário público”. O Deputado vem pressionando o Prefeito em relação a diversas questões das quais discorda, como o cancelamento do carnaval, a desativação de hospitais de campanha, a interdição das praias no auge da pandemia, e o fechamento de atividades na cidade visando a redução de casos de Covid-19 e de internações, e consequentemente de mortes. Não teve muito sucesso. Mas, ao se deparar com a postagem de um cidadão, pareceu encontrar um ponto fraco, onde sua pressão sobre a Prefeitura poderia ter sucesso. Fui usado numa suja disputa política.

Para meu conforto, um conjunto imensamente expressivo de entidades de classe, como o Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB-RJ, o Sindicato de Arquitetos do Rio de Janeiro - SARJ, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU-RJ, a Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura – FENEA, a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e urbanismo – ABEA, a Associação Brasileira de Arquitetos e Paisagistas – ABAP, e a Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro – SEAERJ vieram a público afirmar que uma punição ou exoneração estaria ferindo “as prerrogativas constitucionais asseguradas a todo cidadão, registradas no artigo quinto, inciso IV da Carta Constitucional, sobre a liberdade de expressão e manifestação de livre pensamento.”

Também individualmente um número imenso de amigos, colegas, políticos e conhecidos vieram demonstrar seu apoio aos meus direitos, e à minha integridade física e emocional. É esse amparo que permite atravessar a atual tormenta, sabendo que a rejeição a toda essa situação não se trata da proteção apenas à minha pessoa, mas à liberdade de expressão dos brasileiros. A democracia é um bem precioso que nos custou muito alcançar. Não podemos ceder nem um milímetro! O Brasil é maior do que esses que nos atacam.

artigo publicado no Diário do Rio em 25/03/2021


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