quinta-feira, 10 de junho de 2021

Ausência

O arquiteto Fernando Betim

De repente uma ausência, um vazio ao seu lado. Desde que começou a pandemia de Covid-19, vimos mais de 440 mil brasileiros irem embora. Famílias que perderam avós, pais, filhos, irmãos. O mundo todo sofre. Os picos da pandemia mudam de cidade para cidade, de país para país. Wuhan causou perplexidade, a Itália sofreu, Nova Iorque sofreu, O Brasil sofre, a Índia é o novo ponto focal.

Nesse período, mesmo chamados de idiotas, os que puderam, buscaram se refugiar em suas casas, perdendo a convivência, o abraço, a naturalidade do encontro. Apesar de temermos esse presente alongado, buscamos acreditar que lá na frente nos reencontraremos. No entanto, as perdas vão se sucedendo. O parente de um conhecido aqui, a irmã de uma amiga ali, o músico talentoso, o ator querido, e novamente um conhecido, o conhecido de um conhecido, e a grande atriz.

Lares ficam sem provedores, a aposentadoria da avó deixa de ser a salvação da família, o filho que era a esperança de um outro futuro já não está mais ali. São pessoas, muitas pessoas, e a maioria não conhecemos. Mas a dor dos familiares e amigos que os perderam é grande e importa. Precisam ser lembrados. Por isso, quero lembrar o colega e amigo, o arquiteto e professor da PUC-Rio Fernando Betim, que partiu há poucos dias.

Até a semana passada ele vinha dando aula, juntamente com outros professores, no atelier de projetos de revitalização do curso de Arquitetura e Urbanismo. Ele era o que abria a sala de aula remota, era o que animava os alunos e professores, era o que sabia o nome e o apelido de cada aluno, suas histórias, dificuldades e potencialidades. E agora não está mais lá. Nem em sua casa, com sua família. Na aula remota não há mais uma janelinha com o professor Betim. Não mais as indicações de bons projetos e arquitetos ou as histórias sobre os queijos de Minas e as delícias da vida no campo, que ele exercia nos fins de semana.   

Fernando Betim esteve entre os criadores do curso de arquitetura da PUC-Rio e era com paixão que se dedicava ao mesmo. Era um exímio projetista em estruturas de madeira. Em Itamonte, onde tinha seu sítio, construía experimentando técnicas tradicionais, como o adobe, a taipa de mão e a madeira. No escritório modelo da PUC-Rio, juntamente com outros professores, coordenou projetos, como o edifício do curso de Design e o futuro teatro da PUC.

Casa em Itamonte
Atelier PUC-Rio

O campus da universidade está pontilhado por trabalhos em que, com os alunos, experimentava novas formas e técnicas. Logo na entrada está o bicicletário, estrutura alada que indica o comprometimento da universidade com esse modal de transporte. Mais à frente, o estande de informação e, em lugar privilegiado, a praça-banco, em que banco e pergolado serpenteiam até um tablado alteado, que convida à roda de bate-papo ou a uma soneca.
Campus da PUC-Rio

Betim era a gentileza e o comprometimento com a boa arquitetura. Um cara querido por todos. Agora é lembrança, uma lacuna a mais entre tantas que existirão quando um dia pudermos nos reencontrar. Espaços vazios entre nós a nos lembrar a tragédia pela qual passamos. E que poderia ter sido muito diferente.

Artigo publicado no Diário do Rio em 20 de maio de 2021

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