domingo, 10 de outubro de 2021

Obra em casa

A gente se sente insatisfeito. Os azulejos do banheiro não são bonitos, a combinação de cores entre piso e paredes não é das mais inspiradas. Foram feitos por outro morador, outro padrão de gostos. Mas mexer para que, não é mesmo? Obra dá trabalho, melhor adiar.

Com o tempo a umidade condensada no teto começa a escurecer. Está ficando bem feio esse negócio, mas a gente segue no propósito de adiar. Obra boa é na casa dos outros. Para engenheiros, arquitetos e aficionados, é tão bom visitar uma obra, ver o progresso da mesma, as coisas se transformando E depois, ir embora.

A potência da saída da água das torneiras começa a diminuir. A do chuveiro, nem se fala. Mas o processo é lento, a gente se acostuma, adapta o banho ao filete mirrado de água. O que não se suporta para fugir de uma obra na própria casa!

Mas chega um dia em que a realidade se impõe, passa da hora de fazer essa obra. O momento no trabalho não é o ideal, nem as finanças recomendam, mas uma decisão dessas é no impulso, de forma a evitar qualquer passo atrás. 

Feitos os orçamentos, se surpreendido com a realidade de que está tudo pela hora da morte, e se conformado com o inevitável vermelho na conta, fecha-se a empreitada com o mestre de obras. Ele rapidamente traz equipamentos, sacos, e roupas de serviço. Um canteiro de obras se instala na sua sala. Ele deve saber que se não agir rápido, o cliente periga voltar atrás. 

Tomada a decisão, manda a educação que a gente avise os vizinhos. Obra em casa é um desastre que afeta todos à nossa volta. Dá pena as marteladas que virão sobre as suas cabeças, a trepidação que vai infernizar os seus dias. Mas o consolo é que já se aturou o ruído de outras obras vindas de lá. É a vida em condomínio.

Plásticos pretos são estendidos sobre os móveis. Formas imprecisas dão conta de ali era o sofá onde até outro dia se assistia aos telejornais e às séries preferidas. A quebradeira começa e a poeira se espalha por todos os cômodos. Aquele quarto de serviço, um dia transformado em escritório, mas depois abandonado para se transformar no espaço dos entulhos, é o refúgio que resta. 

O banheiro já está no osso, os tijolos até aparecem aqui e ali. Mas a sua transformação no belo cisne ainda está distante. O momento é de viver com as poucas peças de roupa acessáveis e os utensílios recolhidos aleatoriamente. A vida não para, é necessário continuar a trabalhar no espaço exíguo entre as tralhas acumuladas no quartinho. O rombo nas finanças já está em curso, com tendência de alta, mas a esperança é a última que morre.

Em breve um belo banheiro, de visual clean, estará pronto, assim é esperado. A gente já se vê contente com a obra realizada. Mas que diabos, já se começa a perceber que pintura da sala e dos quartos está meio gasta, a pedir uma renovação. Será? Melhor adiar...

artigo publicado no Diário do rio em 07 de outubro de 2021.

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