sábado, 23 de abril de 2022

Gentileza terminal

antigo Gasômetro do Rio de Janeiro
BRT quer dizer bus rapid transit. Mas ele já teve um nome bem brasileiro, o ligeirinho, mais de acordo com a sua origem curitibana na década de 1970. Deve-se ao arquiteto Jaime Lerner, e à sua equipe na gestão da Prefeitura de Curitiba, a adaptação àquela cidade desse modal de transporte surgido em Ottawa em 1973. Em Curitiba ele recebeu o sistema de ônibus alimentadores, a cobrança de tarifa externa em estações fechadas e o embarque em plataformas no nível dos ônibus. Lerner foi ainda responsável por uma série de outras inovações urbanísticas. 

De Curitiba o Ligeirinho ganhou o mundo, tendo sido adotado em cidades europeias e norte-americanas. Chegou depois a Bogotá, onde recebeu mais aperfeiçoamentos na sua capacidade e na sua velocidade. Para melhorar esta última, criou-se uma onda verde, com os sinais sendo abertos à aproximação dos ônibus. De Bogotá, a ideia do BRT retornou a várias cidades brasileiras, representando uma solução de transporte de alta capacidade, porém de construção mais barata do que a do metrô. 

Aqui no Rio, o BRT representou também uma promessa para solucionar as demandas de mobilidade para as olimpíadas. Diversas linhas foram implantadas ligando a Barra ao Recreio e a Jacarepaguá. Mas a má qualidade da execução das calhas por onde os ônibus circulariam, muitas pavimentadas apenas em asfalto ao invés de concreto, a descontinuidade de investimentos em função da troca de prefeitos, e o consequente sucateamento precoce de todo o sistema levaram à estigmatização do nosso BRT. 

Em paralelo à execução das linhas que serviriam ao projeto olímpico, a Prefeitura lançou em 2015 as obras do BRT Transbrasil, para circular pela avenida Brasil, e ser uma opção de transporte mais confortável e mais rápido para os moradores dos bairros que margeiam aquela avenida, distantes do sistema de metrô. As obras deveriam estar prontas no máximo em 2018. Mas quatro anos depois, e muitos transtornos no trânsito, ainda seguem inacabadas. A nova previsão de término é 2023.

Quando estiver funcionando, o BRT Transbrasil partirá de Deodoro e contará com 18 estações e quatro terminais, percorrendo 26 km. O destino final seria a Central do Brasil, onde o usuário encontraria diversas opções de transporte, entre elas o metrô, o trem, diversas linhas de ônibus, o VLT e até mesmo o atualmente desativado teleférico da Providência. Seria o correto, já que sistemas de transportes de alta ou média capacidade devem levar os usuários até áreas centrais ou, melhor ainda, atravessar as cidades. Uma pista em concreto armado, obra nada barata, já se encontra pronta na avenida Rodrigues Alves, à espera dos ônibus articulados do BRT Transbrasil.

No entanto, num sinal de grande improvisação e falta de planejamento, a Prefeitura decidiu que a estação final do Transbrasil será o futuro Terminal Gentileza, no terreno do antigo gasômetro. Lá os passageiros estarão diante da rodoviária, mas ainda distante dos centros de emprego. E estarão longe de sistemas de transporte de alta capacidade. Suas únicas opções de locomoção serão o VLT, sistema com menor capacidade do que o BRT, ou os ônibus comuns. Se isso não representa um gargalo na mobilidade dos passageiros, não sei mais o que seria. 

A improvisação fica mais evidente quando se sabe que a própria Prefeitura já elaborou um concurso de projetos para imóveis residenciais e de serviços para o terreno do antigo gasômetro, projeto este nunca executado. Esse terreno ainda conta com algumas edificações em tijolinhos vermelhos, resquícios da companhia belga que um dia gerenciou o abastecimento de gás no Rio de Janeiro. Estupidamente, foram desmontados todos os três tambores de armazenamento do gás e suas estruturas metálicas, que poderiam ter tido um uso alternativo muito interessante. 

De acordo com a opção agora adotada, os passageiros do BRT Transbrasil, que muito provavelmente já terão utilizado outros modais de transporte para chegar ao mesmo, serão obrigados a tomar o VLT que, no máximo os deixarão na Cinelândia, tendo que buscar ali um quarto modal de transporte para chegar à Zona Sul ou à Zona Norte. O terminal se chamará Gentileza, em homenagem ao profeta urbano das barbas brancas, mas não será com muita gentileza que os passageiros estarão sendo tratados.

artigo publicado em 21 de abril de 2022 no Diário do Rio.

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