quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Memória negra na Rasa

foto de Dariany Silgom
No mês da consciência negra, é muito importante pensar a questão do racismo e suas bases em nossa história. No Estado do Rio de Janeiro, vale lembrar os locais ligados ao comércio de escravizados, origem da atual situação de desigualdade social e econômica que afeta os seus descendentes, tanto aqui, como no restante do país. O antigo Cais do Valongo, epicentro das estruturas escravistas da Área Portuária, voltou a ser visível e reverenciado após um belo trabalho de arqueologia. Também compunham essas estruturas o Cemitério dos Pretos Novos, destinado a recém-chegados que faleciam, o Lazareto da Gamboa, que abrigava os africanos que precisavam de quarenta por estarem acometidos de doenças contagiosas, e o Mercado do Valongo, onde seres humanos eram expostos para venda.

Esse conjunto de locais dedicados ao comércio de escravizados, juntamente com a Ilha de Bom Jesus, atualmente ligada à Ilha do Fundão, era parte do sistema escravista oficial na cidade. Neles o desembarque de africanos era legal e controlado pelas autoridades. Mas, havia também os pontos de desembarque ilegal ou ligados a ele, como a Ilha da Marambaia, Bracuí, em Angra dos Reis, as praias de Manguinhos e Buena, em São Francisco de Itabapoana, a Catedral do Santíssimo em Campos dos Goytacazes, onde ocorriam batismos de pessoas traficadas ilegalmente, e as praias de José Gonçalves e Rasa, em Búzios. 

Os desembarques ilegais buscavam burlar as legislações que proibiam o tráfico vindo da África, como a de 1831, que declarava serem livres todos os escravos vindos de fora do Império, e a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, que, respondendo a pressões da Inglaterra, determinava a proibição do tráfico de africanos escravizados para o Brasil. 

As praias de José Gonçalves e Rasa, em Búzios, foram usadas como últimos pontos do tráfico clandestino de escravizados na antiga região de Cabo Frio. Acredita-se que nessas praias tenham desembarcado, entre os anos de 1844 e 1845, aproximadamente 7.040 africanos. A maioria deles ia para as fazendas do norte fluminense. 

Muitos desses escravizados que ali desembarcaram acabaram ficando em propriedades locais ligadas ao tráfico, gerando uma grande concentração de afrodescendentes na região. Estes, como forma de afirmação de suas identidades e de recuperação da memória desses antigos acontecimentos, buscaram a titulação de Quilombo da Rasa, reconhecida em 2005 pela Fundação Palmares e pelo Incra.

No dia da Consciência Negra de 2014, os moradores da Rasa instalaram na praça local uma escultura do artista local Gilmário Santana, representando uma mulher da etnia banto. Essa escultura seria o primeiro ponto de destaque da Rota da Escravatura, um circuito reconhecido pela Unesco que marcaria os pontos importantes dessa história.

No entanto, a atual Prefeitura de Búzios, sem nenhuma consulta à comunidade, recentemente deu início a uma obra na mesma praça, para construção de um Mercado do Pescador, projeto que apagaria a história quilombola que se quer evidenciar. A Associação das Comunidades Quilombolas em Armação dos Búzios apresentou denúncia ao Ministério Público Federal na última sexta-feira, às vésperas do Dia da Consciência Negra, e busca ampliar os apoios à sua causa.

Como vem ficando cada vez mais claro, a luta contra o racismo é uma tarefa de todos os brasileiros, independentemente de serem brancos, indígenas ou negros. A afirmação da identidade quilombola da Rasa e o resgate da história da escravidão naquela região são ações importantes que precisam ser apoiadas. 

Artigo publicado em 24 de novembro de 2022 no Diário do Rio

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