No início do século XIX a malha urbana da cidade do Rio de Janeiro, que até então pouco havia se estendido além do quadrilátero formado pelos morros do Castelo, Santo Antônio, São Bento e Conceição, passou a se expandir em direção a novos espaços. Para o oeste, na direção do Campo de Santana, formou-se a chamada Cidade Nova. Duas outras direções opostas também se delinearam: a que levava à Glória e a que levava à Prainha. A expansão neste último eixo, era dificultada por obstáculos como a pedra da Prainha, localizada próxima à atual Praça dos Estivadores. O lento crescimento dessa área prosseguiu, assim, pela orla, em direção ao Morro da Saúde. Ao mesmo tempo, os morros locais foram sendo ocupados por novas moradias.
O grande desenvolvimento da cidade, provocado pela chegada da família real portuguesa, refletiu-se num aumento da atividade portuária e na conseqüente construção de trapiches e atracadouros nas áreas da Prainha, da Saúde e da Gamboa. Novas ruas foram abertas na área plana entre os morros do Livramento e Saúde, entre as quais a rua Nova de São Francisco da Prainha (1819), que veio a constituir parte da atual Rua Sacadura Cabral. Ela foi assim denominada em homenagem ao piloto companheiro de Gago Coutinho no vôo pioneiro entre o Rio de Janeiro e Lisboa. De forma a dar continuidade a esta rua, mais tarde foi necessário realizar um corte na pedra da Prainha.
Por volta de 1830, a intensificação das exportações de café levou à substituição de vários atracadouros e trapiches por armazéns de café. Alguns logradouros receberam melhorias, que facilitaram a circulação das mercadorias. Atividades consideradas indesejáveis em outras áreas da cidade, e que haviam se concentrado no Valongo e na Saúde, foram sendo desativadas, como a forca do Largo da Prainha, o depósito de escravizados do Valongo e o cemitério dos Pretos Novos. Obras de embelezamento foram realizadas, como a praça e chafariz do Valongo e o Cais da Imperatriz, projetado em 1843 por Grandjean de Montigny para receber a Imperatriz Teresa Cristina. Deste passado, permanecem monumentos contrastantes, como o próprio Cais do Valongo, redescoberto anos atrás, e a coluna monumental encimada por esfera armilar.
Com o forte movimento comercial nos trapiches da área, diversas licenças para construção de novos cais foram concedidas pelo Império. De forma a garantir a facilidade de recebimento de matéria-prima e de exportação de produtos, indústrias que ali se localizavam construíram seus próprios cais. Esse foi o caso do Moinho Fluminense, que em 1888 requereu permissão para a construção do seu. Também o Cemitério dos Ingleses solicitou permissão para um cais onde pudesse receber seus mortos.
O desenvolvimento da função portuária provocou o interesse de proprietários de chácaras locais em loteá-las, abrindo novas ruas, entre as quais a rua do Livramento. A Praça da Harmonia foi inaugurada por volta de 1850 e ali também foi construído o mercado da Harmonia, segundo mercado da cidade é, como outros, atualmente não mais existente. Posteriormente, tal área passou a se chamar Praça Coronel Assunção, em homenagem ao comandante e herói da Guerra do Paraguai. Mesmo assim, permanece na memória popular a sua antiga denominação.
A inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II, e da Estação Central do Brasil em 1858, trouxe um aumento considerável do trânsito de cargas pelas ruas da Saúde e Gamboa, prejudicado o calçamento com o peso das carroças, o que muito desagradou seus moradores. Isso levou a uma certa desvalorização de terrenos das áreas planas para o uso residencial e uma intensificação de seu uso comercial. Já os morros da Conceição, Livramento e Saúde passaram a ser cada vez mais ocupados por residências.
Em 1871 foram inauguradas as obras das Docas de D. Pedro II, que constavam de um cais entre a atual Rua Argemiro Bulcão e a atual Rua Barão de Tefé, e um armazém com três pavimentos, até hoje existente. Era uma antecipação da construção do atual Cais do Porto que, junto com a abertura da Av. Central e dos alargamentos de ruas promovidos pelo Prefeito Pereira Passos, constituíram o tripé de inovações urbanas na cidade. A construção do novo porto, realizado através de aterro produziu duas áreas de traçados diferenciados. Uma, com ruas sinuosas e ladeiras, com casario mais antigo, e outra, de ruas mais largas, formando uma trama em xadrez, onde se encontram as avenidas Rodrigues Alves e Venezuela, com edificações mais altas e modernas. A Rua Sacadura Cabral, formada pela antiga Rua Nova de São Francisco da Prainha e pela Praia da Saúde vem a ser o encontro entre tais áreas.
Ela tem a conformação curva da antiga linha do litoral. Tendo sido consolidada já no século XIX, ela foi beneficiada pelo aviso régio de 1810, que determinava uma maior largura para as novas ruas a serem abertas. Ao longo da rua é possível encontrar sobrados do século XIX e mesmo do XVIII, ocupados por comércio local e, até pouco tempo, por habitações de classe média baixa. Destacam-se também a Igreja de São Francisco da Prainha, o Largo da Prainha e o casario da Rua Eduardo Jansen, uma de suas transversais. Já no trecho final da Rua Sacadura Cabral há uma grande diversidade de edificações, algumas de grande porte, como o Hospital dos Servidores, de arquitetura Art Déco, o Hotel Barão de Tefé e o Moinho Fluminense, com sua belíssima arquitetura industrial de influência inglesa.
A permanência dessas edificações mais antigas, que já esteve ameaçada, encontra-se desde 1985 protegida pela APA SAGAS, que preservou casas e sobrados nos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa.
Artigo publicado em 17 de julho no Diário do Rio.
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