O antigo Campus Fidei, uma área de 1,36 milhão de metros quadrados em Guaratiba, será transformado pela iniciativa privada no futuro autódromo da cidade. É aquela área que iria receber a missa campal do Papa Francisco, mas que foi inundada numa chuva, se transformando num grande lamaçal, que inviabilizou o evento. Os empresários responsáveis pela construção do futuro autódromo levantarão recursos para a realização desse empreendimento com a solução mágica que vem sendo sacada à exaustão pela atual gestão da Prefeitura do Rio, a venda de potencial construtivo.
O que seria hipoteticamente possível construir na área
do Campus Fidei, calculado pela Prefeitura, através da Lei Complementar
273/2024, em aproximadamente 2,300 milhões de metros quadrados, será
transferido mediante compra desse potencial construtivo para ser usado em
outros bairros da cidade. Isso representa 7,3 vezes o que já foi licenciado
pelo programa Reviver Centro. Como o mercado imobiliário está sempre de olho na
Zona Sul, especialmente nos bairros de Ipanema, Leblon e Botafogo, é lá que boa
parte dessa avalanche de metros quadrados para construção será acrescida ao já
edificado. Eles se sobreporão ao que lá já é permitido. Isso destrói a
ambiência e a qualidade de vida desses bairros. Mas, o Prefeito está mais
interessado nos negócios, e bem menos na paisagem da cidade ou em questões que
afetem a vida dos cariocas.
Se essa fosse a única operação de transferência de
potencial construtivo na cidade, já seria um desastre. Mas a ela é necessário
adicionar a operação para a ampliação do estádio do Clube Vasco da Gama, a do
Imagine, no Parque Olímpico, e o próprio projeto Reviver Centro. Todos esses
projetos abrangem áreas muito grandes e estão colocando milhares de metros
quadrados flutuantes à venda. Depois de vendidos, eles aterrissarão em bairros
que serão enormemente impactados por esses acréscimos de metragem edificada à
margem da legislação vigente. Seria importante que a academia se debruçasse
sobre esta questão, quantificando esses metros quadrados voadores e o impacto
disso na cidade.
O Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, que
deveria balizar os parâmetros de construção pelos próximos dez anos, foi
tornado uma peça decorativa. Uma grande quantidade de permissões de edificação
acima do que define o Plano Diretor está se concretizando nesse exato momento.
O ordenamento urbano da cidade se tornou um cassino, onde o dinheiro é quem
dita as regras do jogo.
Esse é o caso também da Lei da Mais Valia e Mais
Valerá, em que ilegalidades são regularizadas mediante pagamento até mesmo na
fase de projeto, acrescentando outras camadas de imprevisibilidade à legislação
urbana do Rio. Tal lei é uma excrescência contra a qual a cidade luta há
várias décadas. Quando elas são contestadas na justiça, um novo prefeito as
restabelece. O atual prefeito copiou Crivella na inovação legislativa, ao
aceitar aprovar uma irregularidade antes mesmo que ela seja executada, ou seja,
ainda na fase de projeto.
Já a venda torrencial de potencial construtivo para
ser alocado em outros bairros é uma distorção do Estatuto das Cidades. Este
prevê a cobrança sobre potencial construtivo, de forma a arrecadar recursos a
serem investidos em benefício público nas próprias áreas em que se arrecada. É
o que ocorre, por exemplo, na Área Portuária, onde segue-se a regra de uma
Operação Consorciada. Lá a Prefeitura, através de lei votada na Câmara de
Vereadores, definiu o volume de potencial construtivo disponível e os
colocou à venda. E as construtoras pagam para terem o direito de usá-los.
A definição de potencial construtivo de um terreno é
sempre feita pelo Poder Público. Ele é um bem com valor monetário, podendo
ser significativo caso se aplique sobre uma área valorizada. E esse valor
pertence à coletividade. Mas, a Prefeitura do Rio, com a anuência da
Câmara de Vereadores, vem permitindo que particulares negociem esses potenciais
construtivos, ou seja, bens públicos, como se fossem seus. Eles são oriundos de
terrenos situados em diferentes locais da cidade e a sua venda está
beneficiando os proprietários desses mesmos terrenos e não a população carioca.
Com os recursos advindos dessa venda esses empresários financiam seus projetos
imobiliários. Se isso não for uma ilegalidade, é, no mínimo, uma situação que
fere os padrões da moralidade.
Artigo publicado em 13 de novembro de 2025 no Diário do Rio.

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