quarta-feira, 13 de julho de 2022

Parque ou Aterro?

Parque do Flamengo em 1970
Na sua origem, o Aterro do Flamengo serviria para viabilizar mais uma ligação rodoviária entre o Centro e a Zona Sul. Ele atualizaria a ligação anteriormente feita pelo Prefeito Pereira Passos no início do século XX, a Avenida Beira Mar. Décadas de acúmulo de automóveis e ônibus nas ruas da cidade haviam tornado aquela ligação insuficiente e a Zona Sul havia se transformado na área mais privilegiada da cidade.

Não fosse a conhecida atuação de Lota Macedo Soares, e não teríamos o Parque do Flamengo. E não fossem a arte paisagística de Burle Marx, os conhecimentos do biólogo Luiz Emygdio de Mello Filho, e as obras de arquitetura de Affonso Eduardo Reidy, o Parque do Flamengo seria mais um parque na cidade. Mas não, ele é um dos mais belos parques do país, à beira-mar, de onde se desfruta a magnífica vista da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar, e onde estão reunidas com maestria árvores, palmeiras e arbustos de várias partes do Brasil e de outros continentes. As diversas florações que ali acontecem são esplendorosas e nos levam a sempre agradecer a seus criadores.

No entanto, esse tesouro do Rio de Janeiro vive em crônico estado de abandono. Muitas espécies raras morreram e não foram repostas, e outras estão sem manutenção. O canteiro gramado perto do MAM, que reproduzia o desenho do calçamento de Copacabana, já não exibe desenho algum. Sem uma gestão presente, pessoas se sentiram no direito de plantar espécies arbóreas que nada têm a ver com o projeto original. E a insidiosa leucena (leucaena leucocephala), espécie invasora, começa a se apoderar de alguns espaços.

Bancos de concreto estão malconservados, tampas de bueiros foram furtadas, as áreas pavimentadas têm fissuras e buracos, assim como esburacadas estão as áreas com piso de saibro. Algumas construções do parque tiveram seus usos desvirtuados. É o caso do Pavilhão do Playground, construção que hoje sedia a administração do parque. Em volta do mesmo, se estabeleceu um estacionamento para dezenas de automóveis, que jamais deveriam estar naquele lugar. Isso sem falar no Tanque de Modelismo Naval, que há décadas permanece como um laguinho seco, sem que os visitantes sequer saibam o que foi um dia.

Por falar em estacionamento no parque, alguns dos que foram projetados ganharam coberturas para os automóveis, que assim passaram a permanecer por longas horas e pernoitar. Um dos estacionamentos foi transformado em área de operações da companhia de limpeza urbana. Por um certo tempo, o antigo bosque ao lado da Marina, onde tantos aniversários infantis já foram comemorados, foi irregularmente apropriado para estacionamento. Apesar do estacionamento ter sido desfeito por decisão judicial, a recomposição do bosque, obrigatória, nunca foi realizada.

O Parque do Flamengo é tombado pelo Iphan e faz parte do perímetro reconhecido como Patrimônio da Humanidade. No entanto, as recomendações do órgão de tombamento são pouco ouvidas. Administrar esse parque, com as suas dimensões, complexidades e importância, não é possível ao se improvisar algum aspirante à política em administrador. Pois é o que tem ocorrido há décadas. A administração do parque sequer está ligada à Fundação Parques e Jardins, que não tem controle sobre o que lá ocorre. Para a correta manutenção do Parque do Flamengo, além de uma boa administração e de recursos públicos, é preciso haver a participação ativa dos moradores e usuários, reunidos em associação. É o modelo que dá certo, por exemplo, no Central Park, em Nova Iorque.  

Ainda é muito comum que se nomeie o parque como aterro, especialmente entre pessoas mais velhas. Porém, o Parque do Flamengo se tornou uma realidade, sendo querido por todos. Nessas seis décadas de sua existência, as árvores cresceram e deram frutos que atraem pássaros de diversas espécies, dentre os quais se destacam as ruidosas maritacas. Milhares de pessoas, não só da cidade, como de diversas partes da Região Metropolitana, ali vão para usufruir de algumas horas de prazeroso lazer. O Parque do Flamengo existe e, apesar das sucessivas administrações municipais que talvez ainda o vejam apenas como um aterro, ainda é capaz de florescer.

Artigo publicado no Diário do Rio em 07 de julho de 2022.


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