quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Agora, o Reviver Zona Norte

O Censo de 2022 detectou um aprofundamento da tendência de perda de população da Zona Norte. Entre 2010 e 2022, a Zona da Leopoldina, por exemplo, perdeu 19% da sua população, ou seja, quase um quinto. Esse deslocamento populacional não é novo. Já vem sendo detectado em censos anteriores e vem ocorrendo também na Área Central e até na Zona Sul. Ele se dá em favor da Zona Oeste e da agora denominada Zona Sudoeste (Barra, Recreio e Jacarepaguá). Nas últimas décadas, investimentos públicos altíssimos, além de privados, foram direcionados para estas áreas de expansão da cidade, em detrimento dos investimentos nas áreas já consolidadas. Esse maior investimento nas novas áreas, com redução dos investimentos na Zona Norte, reforçou o agravamento dos problemas que levavam a população carioca a se transferir.

Mudar de bairro, muitas vezes vendendo a preços baixos os imóveis que se possui, é uma decisão drástica, só tomada em razão de fortes pressões. E estas se acumularam sobre as famílias moradoras da Zona Norte. Decaiu a qualidade dos espaços e dos serviços públicos, e aumentou a violência e a favelização. Pouco a pouco, antigos moradores foram fazendo suas malas e buscando novas paragens. Com menos moradores e menos eleitores, o círculo vicioso do descuido por parte do Poder Público só fez se acelerar.

Como reação, pouco efetiva, à perda de população na Área Central, a Prefeitura do Rio de Janeiro buscou revitalizar a Área Portuária, o bairro de São Cristóvão e o Centro. O projeto Porto Maravilha, ao não reservar áreas para residências, passou muitos anos sem que sequer uma moradia fosse construída. Agora assiste-se a uma concentração da edificação desses imóveis na área do Santo Cristo, mais próxima à Rodoviária Novo Rio. Mas as áreas da Saúde e Gamboa, que são próximas a áreas mais valorizadas, como a Praça Mauá, à exceção do projeto para o prédio A Noite, seguem sem novas moradias.

Para São Cristóvão a Prefeitura visualiza grandes projetos, como o Estádio do Flamengo, um Centro de Convenções e a Cidade do Samba 2. Ela também construiu o Terminal Gentileza. Mas, apesar disso, os antigos terrenos industriais permanecem vazios, à espera de investidores. Já no Centro, o projeto Reviver Centro vem tendo algum sucesso, bastante tímido para a dimensão do problema. No entanto, os projetos residenciais no Centro são feitos às custas de um forte adensamento de bairros da Zona Sul, para onde são direcionados os “prêmios” em potencial construtivo às construtoras que investem no Centro.

Demasiado tempo se passou com a Zona Norte sangrando. A Área da Leopoldina inclui bairros conhecidos e emblemáticos, como Bonsucesso, Manguinhos, Ramos, Penha, Penha Circular, Olaria, Brás de Pina, Vila da Penha, Vila Cosmos, Cordovil, Parada de Lucas, Vigário Geral e Jardim América. Desde o século XIX, essa área tem uma linha de trem, que vem perdendo passageiros, assim como o Ramal da Central. Lá há também BRT, Escola de Samba, monumentos importantes, como a Igreja da Penha, e muita história. Nenhuma cidade pode prescindir de uma região assim.

Agora a Prefeitura do Rio se lembrou que tem alguma responsabilidade com a Zona Norte e que tem o dever de tentar estancar a sua decadência. Sua resposta é o projeto denominado Reviver Zona Norte. Anunciado como algo abrangente é, no entanto, inicialmente limitado a poucas quadras de Bonsucesso. A Prefeitura acena com propostas de reurbanização de ruas e arborização urbana, mas a imagem de divulgação do projeto repete a lógica modernista de implantação de blocos residenciais afastados uns dos outros, espelhando uma quadra vizinha, onde estão blocos tipo H do antigo BNH.

Uma cidade que precisa de tantas revitalizações e reviveres é porque produziu muitas decadências dos seus bairros. São muitos os projetos de revitalização de bairros cariocas, enquanto seguem a todo vapor as novas construções nos bairros limítrofes, como Recreio, além do adensamento predatório de Ipanema e Botafogo. Mas o Censo de 2022 revelou que, desde 2010, a Cidade do Rio de Janeiro perdeu um total de 110.123 pessoas, ou 1,77% de sua população. 73% dos bairros cariocas tiveram queda em sua população, enquanto somente aproximadamente 27% dos bairros tiveram aumento populacional.

Parece não haver cariocas em número suficiente para ocupar, tanto as novas áreas, como para reocupar as que se esvaziaram. O Rio de Janeiro entrou para o rol das cidades que encolhem, ou shrinking cities, um fenômeno que vem sendo cada vez mais observado e estudado. Não é mais possível vender ilusões. É preciso fazer escolhas e planejar o espaço urbano da cidade.  Não é possível querer revitalizar bairros esvaziados ficando à mercê dos interesses do mercado imobiliário, que só se interessa por certas zonas. O Rio não pode perder a Área Central e a Zona Norte.

Artigo publicado em 18 de setembro de 2025 no Diário do Rio.

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