quarta-feira, 13 de julho de 2022

O Serro

Serro - foto Roberto Anderson
O Rio de Janeiro é a minha casa, o lugar em que gosto de estar, que busco conhecer mais e mais, e para o qual dedico boa parte das minhas energias. Mas o Serro, em Minas Gerais, é a minha origem. Não é a cidade onde nasci, mas sou fruto da diáspora serrana. O apego a uma cidade que está na origem da sua família é algo muito forte, que num país de muitas mudanças, nem todos podem experimentar.

O Serro sempre esteve nas conversas da família, saudosa por ter ido buscar oportunidades de trabalho em cidades maiores. Sei das denominações que o Serro já teve. Sei do frio que era adicionado ao seu nome, da nobreza do antigo título de Vila do Príncipe, e da nomeação indígena para o lugar: Ivituruí. Sei da Serra do Espinhaço, onde a cidade se localiza. Sei da negra Jacinta de Siqueira, que teria descoberto o ouro que deu origem à cidade e deixado larga descendência. E sei das histórias dos personagens pitorescos, como a do Silvio Picolé, que ganhou essa alcunha depois de trazer de muito longe um picolé no bolso, novidade para a cidade, mas que já chegou derretido.

O Serro tem festas populares que são o orgulho da sua gente, como a Festa de N. Sra. do Rosário, com seus caboclos, marujos e catopês, ou a Festa do Divino, com a coroação do Imperador e da Imperatriz. O Serro tem um queijo que nenhum outro lugar tem. O Serro é uma cidade da corrida do ouro, que já conteve Diamantina, que tem igrejas e casario colonial e uma autoestima que a faz atravessar em paz a longa decadência. 

Quando caminho pela cidade, e piso o seu calçamento irregular em pé-de-moleque, penso nas andanças de minha mãe por essas ladeiras e becos, desafiando o conservadorismo local. Penso em todos os amigos que aqui fez e na sua entronização como Rainha do Avante, antigo time de futebol da cidade. Penso nela sendo disputada para formar par nos bailes do clube, exímia dançarina que foi. E penso também nos olhares de reprovação por sua independência em meio a uma sociedade patriarcal.

O Serro é uma cidade negra. A maioria das pessoas que se vê nas ruas do Serro é de negros e mestiços, antes humilhados e contidos em espaços subalternos, mas hoje ocupando postos mais diversificados e à frente de pequenos negócios. É provável que a elite de fazendeiros ainda seja branca, mas a festa que dá orgulho à cidade é negra. 

O Serro não alcançou a prosperidade de Ouro Preto, mas legou ao Brasil juristas e políticos, como os Ottoni, Pedro Lessa e Edmundo Lins, e grandes artistas do período colonial, como o Mestre Valentim e o maestro Lobo de Mesquita. Por ter ficado isolada do progresso, a cidade conservou seu Patrimônio, tendo sido tombada pelo Iphan em 1938.

De tempos em tempos retorno ao Serro. Lá descobri o footing noturno na praça, ingênua forma de flerte que não mais existe. Lá vi pela televisão o homem pisar na lua. Lá dancei com os caboclos da festa do Rosário. Lá conheci as diversas casas que um dia meus familiares habitaram e as ruas que trazem nomes de antepassados. Lá fui apresentado a primos distantes. Lá reconheço de onde vim.

Artigo pulicado em 09 de junho de 2022 no Diário do Rio


5 comentários:

  1. Serro é vida, ótima crônica

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  2. Parabéns, Roberto, pela crônica tão bem escrita! Conteúdo perfeito! 👏🏻👏🏻👏🏻

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  3. Amei o texto, primo. Ate parace que voce e serrano. O Serro e isto mesmo. Nos saimos dele, Mas ele nao sai de nosso coracao

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  4. Espetacular 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  5. Linda crônica! Descreveu o Serro, como ele é. Não sou serrana, mas morei lá e levei o Serro ém meu coração!

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