Houve um tempo, lá pelos anos 70 do século passado, em que o céu de Ipanema se encheu de triângulos vermelhos e círculos verdes. Eram os letreiros luminosos da construtora Gomes de Almeida Fernandes e da incorporadora Sérgio Dourado, no topo das dezenas de altos edifícios que mudavam para sempre a cara do bairro.
Os ipanemenses, então conhecidos por sua vida relaxada e pela boemia, custaram a se dar conta da destruição do seu paraíso pela especulação imobiliária. O Pasquim foi um dos veículos da indignação tardia da turma. Mas aí o estrago estava feito. Esse é o problema da ação destruidora das construtoras sobre um determinado bairro. A população só percebe um ataque em massa quando as obras já se tornaram numerosas e pipocam em cada rua do lugar. É como a história do sapo dentro da panela com água no fogo. A água esquenta devagarinho e quando ele se dá conta, já não há mais salvação.
Fenômeno semelhante está ocorrendo agora na mesma Ipanema. Uma matéria recente do jornal O Globo informa que, em quatro anos, o projeto Reviver Centro concedeu 34 licenças para o uso dos bônus concedidos às construtoras que criaram habitações no Centro. Vinte e oito dessas licenças foram para projetos em Ipanema e seis em Copacabana. Ou seja, para se trazer edifícios residenciais para o Centro, Ipanema está tendo a sua ambiência novamente destruída.
O projeto Reviver Centro funciona na base de recompensas às construtoras que se dignarem a trocar a Barra da Tijuca pelo Centro. Essas recompensas são na forma de autorizações para se construir, em outros bairros, a mesma área que se constrói no Centro. Numa idealização dos burocratas da Prefeitura esses bônus seriam distribuídos por vários bairros da cidade. Na prática, estão concentrados em Ipanema e, secundariamente, em Copacabana.
O projeto Reviver Centro ainda não atingiu todo o seu potencial. Até este momento são poucos os projetos já aprovados. Mas, esses poucos projetos já levaram a Prefeitura a emitir o equivalente a 101 mil metros quadrados de bônus. E, desse total, apenas 22,4 mil metros quadrados já foram usados na Zona Sul, o que significa que ainda há um estoque de quase 80% de bônus a serem usados. Isso, numa situação em que, como dito acima, o Reviver Centro ainda está longe do seu potencial. Nesse ritmo, a destruição ultrapassará Ipanema e chegará a outros bairros da Zona Sul, que sempre estiveram na mira do mercado imobiliário. Cuidem-se moradores de Botafogo, Jardim Botânico, Leblon...
Já há alguns ipanemenses incomodados com o que vem ocorrendo no seu bairro. Mas o poder das construtoras está muito reforçado. Além da cumplicidade do Prefeito, como no caso do projeto que destrói o Jardim de Alah, os tais bônus permitem uma receita extra para as construtoras. Com esses recursos adicionais, elas têm margem para oferecer um pouco mais aos proprietários pelos imóveis que pretendem demolir.
A revitalização do Centro e a atração de moradores para aquela área é um ideal longamente perseguido no Rio de Janeiro. Mas, da maneira como o projeto Reviver Centro foi formatado, ele cobrará um preço bastante alto dos bairros da Zona Sul. A temperatura da água está subindo e o sapo ainda não está notando...
Artigo publicado em 02 de outubro de 2025 no Diário do Rio.
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