sábado, 24 de novembro de 2012

Por que índios no Maracanã? Coletiva de Imprensa da Aldeia Maracanã

Foto Paula Kossatz

Foto Paula Kossatz

Foto Paula Kossatz

Foto Paula Kossatz

Foto Katja Schilirò

Foto Katja Schilirò

Na sexta-feira, 23 de novembro de 2012, os índios que se encontram no prédio e no terreno do antigo Museu do Índio, no Maracanã, promoveram uma entrevista coletiva para a imprensa nacional e estrangeira. Eles resistem à intenção do governador Sérgio Cabral de demolir aquela edificação, onde estabeleceram a Aldeia Maracanã.
Entre outros, compareceram à coletiva jornalistas da ESPN, do Jornal do Brasil, da Rede Brasil de Televisão e de rádios e jornais de outros países, como de uma rádio holandesa. Segundo a jornalista, sua atenção ao problema foi despertada após os índios da Aldeia Maracanã terem ido ao encontro do Príncipe daquele país que visitava as obras do estádio do Maracanã. À mesa, respondendo às perguntas, estavam o cacique Carlos Tukano, o antropólogo Mércio Gomes, o procurador do Ministério Público Federal Daniel Macedo, o advogado Arão da Providência Guajajara e eu, convidado como arquiteto que poderia falar um pouco sobre a edificação.

Respondendo a uma pergunta sobre o estranhamento da sociedade branca à presença de um grupamento de índios no Maracanã, o antropólogo Mércio Gomes, que já dirigiu a Funai, comentou inicialmente a maneira como ele e outros antropólogos tinham uma certa reserva em compreender a existência de índios vivendo em cidades. Segundo ele, a antropologia tradicional vê o índio em sua comunidade original, no meio rural ou florestado, acreditando que ali ele deveria permanecer. Quando Mércio soube que índios, já há muitos anos, passaram a ocupar o antigo Museu do Índio no Maracanã, também se questionou sobre o que eles estariam a fazer ali.
Após essa pequena introdução e após ressaltar a importância que teve o Museu do Índio para a etnografia nacional e internacional, referindo-se também às presenças naquela edificação, em outros momentos da história, do Marechal Rondon e de Darci Ribeiro, o antropólogo passou a descrever a realidade populacional dos índios no Brasil de hoje. Afirmou que quando se imaginava que eles desapareceriam como grupos étnicos autônomos, sendo integrados à grande sociedade brasileira, eis que eles passaram a crescer em termos populacionais, reforçando os laços culturais que os unem. E eles vêm, individualmente ou em grupos, buscando obter maior conhecimento e melhores condições materiais de vida, aproximando-se das cidades. Há índios em universidades e em cursos técnicos, ou apenas trabalhando em profissões diversas nas cidades. Isto sem perder sua identidade indígena e o contato com seu grupo de origem.

Assim, a constituição desse grupamento de índios de várias tribos brasileiras, de várias partes do país, que passou a se denominar Aldeia Maracanã, seria plenamente justificável como um ponto de referência para índios que se encontram na cidade do Rio de Janeiro. A sua presença entre nós permitiria uma troca cultural que só teria a enriquecer os cariocas. E o seu estabelecimento nesse local se daria por sua imensa ligação com o lugar onde um dia existiu um centro de estudos de sua cultura e onde antes seus antepassados se hospedavam quando vinham ao Rio de Janeiro.
Ao ser perguntado sobre a razão para o governador querer demolir o antigo Museu do Índio, o procurador Daniel Macedo afirmou que as razões são obscuras. Que a liminar da juíza que impedia a demolição havia sido derrubada e que na véspera seis carros do BOPE haviam rondado o imóvel de forma ameaçadora.

O cacique Carlos Tukano lembrou que o prédio do antigo Museu do Índio foi edificado bem antes do próprio Maracanã e que seria um contrassenso demoli-lo para atender pretensas necessidades de escoamento de público surgidas posteriormente. O cacique disse que os índios e as pessoas que apoiam sua causa iriam resistir contra a demolição do prédio. Respondendo a um repórter que lhe perguntou se havia possibilidade de derramamento de sangue nesta resistência, o cacique foi bastante equilibrado, lembrando que os índios não estão armados. Que resistirão, mas que se houver violência, esta será da parte dos efetivos policiais que possam querer retirá-los do local.
De minha parte, lembrei que para se avaliar a importância da edificação para a cidade do Rio de Janeiro e para o Patrimônio Cultural, é necessário que se faça quatro perguntas. Inicialmente, se o antigo Museu do Índio tem relevância na paisagem. E a resposta é sim. O seu entorno foi enormemente modificado desde que o mesmo foi edificado na primeira década do século XX. O Derby Club deu lugar ao Maracanã, a Avenida Radial Oeste rasgou o tecido urbano ao lado e diversas edificações foram substituídas. Mas o prédio do Antigo Museu ficou lá no mesmo lugar, marcando a paisagem com sua torre de pedra e as águias nos cantos da sua cobertura. Não há quem não passe por ali que não perceba a sua imponente presença.

A outra pergunta a se fazer é se o prédio tem relevância histórica. E novamente a resposta é sim. Ali ocorreram as primeiras pesquisas com sementes no Brasil. Ali Rondon recebia índios que vinham de muito longe. Ali Darci Ribeiro trabalhou pela causa indígena e ali existiu um museu exemplar, que influenciou a criação de diversos outros museus etnográficos pelo mundo.
Uma terceira pergunta, se o imóvel tem relevância arquitetônica e se é recuperável, também tem resposta positiva. O imóvel, uma edificação eclética com características de prédio do serviço público do início do século XIX tem paredes sólidas e espaços generosos, difíceis de serem encontrados em construções do mesmo período. O piso do primeiro pavimento é estruturado por vigas metálicas, que se mostram preservadas. Sua entrada é marcada por um torreão e no hall uma escada em estrutura metálica dá acesso ao segundo pavimento. Uma torre maior, revestida de pedras, marca a fachada oposta a esta entrada. Sua cobertura encontra-se danificada por falta de cuidados, assim como forros, escadas e esquadrias. Mas tudo isto é plenamente recuperável, já que as peças ainda existentes podem servir de exemplo.  

Por fim, cabe perguntar se o imóvel tem relevância para algum grupo social. E a evidência desta resposta é o enorme esforço que tem sido feito por índios e brancos que se envolveram com o problema para reverter a decisão do governador e impedir a demolição desse belo prédio.
Usando-se a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 muitos absurdos vêm sendo cometidos em nossa cidade. A demolição da fábrica da Brahma no Catumbi, por exemplo, foi um crime contra o Patrimônio da cidade. As alterações pretendidas na APA de Marapendi para abrigar um hotel e um campo de golfe são igualmente absurdas. A ameaça ao antigo Museu do Índio está acompanhada de igual ameaça ao Estádio Célio de Barros, ao Parque Aquático Júlio Delamare e à Escola Municipal Friedenreich. A união de todos os que se sentem indignados contra tais demolições, de todos os que consideram importante a preservação do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro e de todos os que apoiam a causa indígena poderá trazer uma esperança de que desta vez a enorme especulação que se estabeleceu em nome dos jogos não prevaleça.





4 comentários:

  1. Sérgio Cabral não quer demolir o museu por que ele gosta, e sim por que é necessário para a continuação das obras.

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    1. Caro Anônimo, busquei calcular a necessidade de área para a dispersão do público na lateral do Maracanã voltada para o antigo Museu do Índio. Conclui que há espaço de sobra e que esse argumento para demolir o prédio é furado.

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  2. ola roberto e outros leitores.
    Eu hoje descubri as intencoes do prefeito e outras autoridades de demolir o predio ao lado da maracana. acho um absurdo. eu choro cada vez que vejo outro edifico antigo cair por causa da "modernizacao". nao quero xingar iste pais, porem: NOSSA!!!!! PARA DE DEMOLIR A SUA HISTORIA!!!! QUER SO CIMENTO?????????

    Brasil precisa proteger seu patrimonio arquitetonico historico. eu sou britanico radicendome aqui e eu quero ajudar a parar com a demolicao. tem tantas razoes de nao demolir o predio, alem de ja ter custado 60 milioes do cofre publico para adquerir. isso seria ja 6% do custo da obra do 'novo' maracana.
    roberto!!! estou desesperadamente querendo ficar em contato com voce. por favor me liga e podemos falar das opcoes de como parar com a loucura que eduardo paes fez. ao final "gringos" estao aqui parar ajudar. me chamo thomas e o meu numero e 02281700709. nos vemos!

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  3. Ola Roberto, estou fomentando discussões no Face Book visando mobilizar opiniões e com isso conquistar não só o embargo da demolição, mas tb que o espaço seja efetivado como museu e aldeia Urbana, o que considero um avanço substancial na direção de se fazer justiça a todos os descendentes dos povos originais rechaçados do Brasil, das Américas, do mundo. NO meu entender seria uma pedra fundamental de um movimento de reconhecimento global de erros do passado, de forma efetiva. Sonho com um museu e espaço com inspirações no Parque das Ruínas em Santa Teresa mesclada com a casa do filme "Jumanji" (http://www.youtube.com/watch?v=OJKHQLM8AbM), fazendo alusão ao casamento do moderno com o antigo, mas com interferências ameríndias, das Selvas, das "medicinas", das éticas, das culturas. Fazer mesmo um centro multidisciplinar e parque monumental. Enfim, gostaria de saber mais sobre a história da casa em si. Onde posso encontrar essas informações por favor?
    P.S. Tomei a liberdade de partilhar post do seu blog infos suas do C.Lattes no Face para dar mais credibilidade aos posts, ao invés de mencionar simplesmente "especialista". Esse termo é muito mal usado atualmente. Forte Abraço - Carlos Guaraçu Kaiowá - Branco com alma de índio

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